10 de dezembro de 2015

Bença, vó

Por Jéfferson Veloso.



Era um garoto. Moleque. Mais uma criança. Filho de dois perdidos por aí, no mundo. Cresceu forte, à base de alimento e suor da família, no decorrer do tempo que passava em seu dia a dia.
Mãe trabalhadeira, mulher forte, mais uma guerreira.
Pai motorista, subindo e descendo serras e ladeiras, na boleia dos caminhões de todo tipo de dono.
Todo santo Biotônico de cada dia, fazia dar fome àquele menino, que comia e que crescia. Fez nascer no sangue das veias, um pulsar ativo, de mais uma criança que  só queria brincar de bola de gude, bola de meia.
Bendito líquido preto, amargo e forte, sua avó quem apresentara. Droga lícita, desde a infância consumida, hoje pra ele, se torna necessária. Pois o faz lembrar de alguém da família, vovó Aparecida, que para explicar a falta que sentia, faltam-lhe poucas e boas palavras.
Vovó Aparecida. Indiazinha criada na roça. Sem muitas noções de vida, com seu sorriso sempre trazia uma boa prosa, “quentand’no Sol’iôtrodia”. Antes pegar o sol que já nascia n’outro dia, vovó Aparecida assistia Teletubbies enquanto a água do café esquentava. Era pão de queijo, bolo, pão de sal e margarina que ela, com muito amor envolvido, preparava, por ter o prazer de ter acordado mais um dia.
O garoto não sabia o porquê, mas em sua cabeça vez ou outra criava a vontade de perguntar à mãe:
“Posso ir na  vovó Aparecida?”
“Pode, mas quando voltar, “compra” pães.”

E ele lá ia, correndo ou de bicicleta, ver vovó. Porque ela era legal com ele. Porque ela havia deixado um copo cheio de café esfriando pra ele quando chegasse. Porque ela deixava ver desenhos até a hora do almoço sem ter que lavar as vasilhas, pois pra ela, criança não gostava de lavar vasilhas.

E principalmente, porque de felicidade e curiosidade ele ria, de ver uma dona velhinha gargalhando sem vergonha de mostrar a falta de dentes, e ele com vergonha porque estava de janelinha. Era uma amizade livre e segura, que sabugos de milho por ventura, que por sua avó lhes foram entregues, para virar nas mãos do garoto, uma grande historinha de aventura. Era ela quem lhe dava tudo que podia, mesmo que para ele, nada precisava para estar em sua companhia.

“Vai no armazém e compra amendoim pro seu vô”. Vovó sempre pedia.
“Oba! Vou comer amendoim com o vovô”. O garoto respondia.

Ele só queria saber de vê-la todo dia, e depois da escola sempre corria para os braços da vovozinha. Sua capacidade de apreciar os simples, seu afeto por coisas pequenas, fazia valer à pena o passar dos tempos em sua casa. E na vovó, ia e voltava, pois seja a hora que fosse o dia, parecia que, sempre, ela já o esperava.

 Bom, vovó, o garoto continua crescendo. Continua parecendo criança que acabou de aprender a ler e escrever. Hoje ele joga palavras ao vento de um vendaval de histórias, para uma estrela que hoje brilha no céu.
A falta de uma avó, que hoje lhe vem na memória as rugas de uma senhorinha banguelinha e sorridente. que acompanhava e ajudara a criar o crescer de mais um bom menino, mais um de seus netinhos, que hoje é mais um dos que de ti, sentem saudade.


Faz tempo que ela deixou esse mundo. E só criança tem a completa certeza de que a vovó quando morre, sempre vai pro céu. Hoje a criança que habita em mim surgiu para fazer o garoto acreditar que por aí, em algum lugar, vovó ainda olha por ele. E por todos que ela amava.

Estrelas são avós.

27 de novembro de 2015

O Véu



Ela estava deitada sobre a relva molhada, amarelada por um pálido e frio amanhecer. Seu corpo estava repleto de gotículas de orvalho, que lhe faziam cócegas na medida em que se espreguiçava... vagarosamente.

Seus dedos dos pés tocaram em florezinhas roxas, que ela sabia estarem ali esperando pela luz do sol para se abrirem. Sorriu. Também ela estava à espera do sol para florir.

Sentou-se num movimento quase em câmera lenta e olhou ao redor, recebendo no rosto o cheiro de um novo dia. Tudo o que via era a imensidão da natureza. O vale florido, as árvores frondosas e a floresta que se erguia escura a alguns pés de distância. Sempre se aproximou da entrada da floresta, decidida a, "dessa vez", aventurar-se por entre suas árvores longas e retorcidas, mas nunca levou a cabo suas intenções.

Naquele momento, entretanto, viu seu pés tocarem os galhos retorcidos da primeira árvore, depois da segunda, terceira, e muitas outras. A luz que iluminava seus cabelos acinzentados fora substituída por uma escuridão quase completa, recortada por alguns finos feixes de luz que conseguiam escapar pelo túnel de galhos retorcidos que se estendiam em direção ao céu.

Ela andou por um tempo que não soube definir, percebendo que não saberia mais encontrar a saída. Entretanto, aquilo não lhe era um problema. Respirava o ar frio da floresta como quem pela primeira vez inspira ar puro e verdadeiro. Sentia como se estivesse de volta ao lar, mesmo que nunca houvesse colocado os pés ali anteriormente.

Crack!, um galho seco se partiu com ruído, assustando-a mais que o normal. Ela olhou para o chão, abaixando-se devagar e notando não se tratar de um galho, mas de uma espécie de varinha, tão retorcida quando as árvores ao redor. Nunca fora de crer em contos de fadas, por mais propícios fossem a estas histórias os locais por onde crescera. Vales verdes e cheios de animaizinhos pequenos e exóticos, castelos e casas circulares, florestas negras e ameaçadoras. Eram tantas as histórias que ouvia desde criança que aos poucos elas, ao invés de se tornarem mágicas, foram ficando maçantes e sem graça.

Pegou delicadamente as duas partes quebradas da varinha e, mesmo sabendo que era de uma tolice infantil, encaixou-as, fazendo com que a varinha se tornasse una de novo.

Um líquido prateado escorreu pela emenda da varinha e a envolveu como um véu de seda. Ela não conseguia soltar o objeto, fosse por tamanho espanto ou por alguma coisa oculta que a fazia continuar segurando-a. O líquido escorreu para as suas mãos e aos poucos envolveu todo o seu corpo, com uma cócega fria e formigante.

Envolvida numa espécie de bolha, ela se sentiu sugada para dentro do sonho que tivera naquela madrugada. Uma mistura de vozes sussurrantes, mãos sem dono e uma canção infantil que a faziam se sentir muito bem. Seus pés já não mais tocavam o chão e ela era guiada pelas mãos indefinidas em direção ao desconhecido; uma rainha louvada por súditos fiéis.

O frio e o formigamento sessaram. Ela abriu os olhos e notou que segurava apenas a parte inferior da varinha. Olhou no chão ao redor, procurando a parte faltante, mas não conseguiu encontrá-la. Não havia vestígios do líquido prateado que a havia envolvido, nem mesmo a varinha agora parecia mais do que um mero galho partido. Resolveu guardá-la, contudo, como uma espécie de troféu de sua primeira andança pelas florestas.
Imagem: http://www.culturamix.com/beleza/mulheres/musa-da-floresta

Olhando para frente, notou que as árvores agora se abriam para um caminho relativamente largo e iluminado por uma cor azulada. Quase na linha do horizonte, ela avistava o pequeno castelo onde morava.

Recomeçou a andar, com os olhos fixos no castelo, mas deixando o pensamento naquele lugar que ela, pela primeira vez, considerava mágico. Pretendia buscá-lo depois.



Por Bia de SouZa

21 de novembro de 2015

Licença Poética

Por Jefferson Veloso

Se é pra falar de amor
Poeta escreve o que sabe
Em versos de noite fria
Com um calor que o afague
Ou na falta dele quem sabe

De amor o vento é que sabe
Passa por ali
Redemunhea-se acolá
Só o vento sabe sentir
E quem sente
Quem sabe-se lá?

Falar de amor é desculpa
Um pedido de licença num coração próximo
É onde talvez passe o vento
Pra esbarrar contigo na esquina
do desdobrar da rua em seguida
Um pedido de desculpas
Seguido do olhar
De duas crianças bobas
Que não vão se lembrar
Nem mesmo o nome
Ou que roupa vestia
Mas se lembrarão
"Trombei contigo outro dia."

E por aí o amor toma conta
De um acaso qualquer
De dois desatentos
Um motivo sequer
É saber que o vento
Nasce de dois desatentos
De um acaso qualquer
E por aí o amor toma conta...


7 de novembro de 2015

O Adolescente Suicida




Após o sopro inicial do nascimento, a alma do homem segue um fluxo contínuo em direção ao seu reencontro com o nada. Nesse caso, o conceito de tempo seria traduzido nas marcas genéticas que afloram durante o amadurecimento do fruto homem somadas com as lapidações e cicatrizes adquiridas através da relação com o ambiente. O corpo é o veículo que dita a estética e suas transformações para a interação da alma com o mundo físico, assim como as peças de um computador que capturam estímulos externos para que os softwares possam trabalhar e então reproduzir o conteúdo na tela. A relação entre corpo e alma, dentre outras coisas, também exerce gravidade, quando passa a modificar o ambiente e as outras vidas ao seu redor, ao mesmo tempo em que é influenciado de forma direta e indireta por todo o ecossistema.
A inconsciência do animal humano sobre suas características existenciais básicas e sua influencia no meio externo, que em sua maioria envolve outros universos particulares também inconscientes, muitas vezes acarreta na dificuldade de interação e cooperação entre as pessoas em seus diversos grupos sociais, como nos ciclos de amizades ou na família, o que também vale para povos, nações e também pra humanidade como um todo. O homem é essencialmente diferente dos outros animais justamente pelas suas capacidades altamente avançadas de autoavaliação, comunicação, organização, inteligência, etc. Em outras palavras, o que difere o ser humano das outras formas de vida é a sua consciência – altamente ligada à moral - que funciona como um espelho que o faz olhar pra si mesmo, provocando a reflexão. Quando deixa de se autoavaliar e não toma as rédeas da sua interação com o meio, ele está sendo inconsequente com seu próprio futuro, passando a assumir os altos riscos de imprevistos negativos. Um forte empecilho evolutivo é que o homem mal saiu da sua fase de criança, onde tudo é fantasia e não tem responsabilidade sobre seus erros, e está no meio do processo de se descobrir pensador e capaz de grandes transformações positivas no ambiente, que facilitariam a incessável busca da preservação não só da espécie, mas da vida inteligente, até então única no universo, o que faz dele próprio a coisa mais valiosa existente, juntamente com tudo o que já criou entre tecnologia, conhecimento, arte, valores e etc. Enquanto amadurece, o homem se dá ao luxo de errar incansavelmente para que, com sorte, aprenda a se medicar.
Ao longo da história, devido à sua inconsciência natural, o homem adolescente foi inconsequente, como era de se esperar. Ao mesmo tempo em que produzia avanços inimagináveis a ponto de não se limitar em pisar apenas na superfície de seu planeta natal, produziu também uma série de relações altamente danosas à preservação da espécie e do ambiente em que habita, como a destruição de boa parte dos seus recursos naturais básicos e a precarização da condição da maioria dos indivíduos da espécie. O homem, além de não conhecer seu lado racional e transformador, também desconhece o seu lado animal e destruidor, lado qual que se beneficiou do potencial inteligente e estratégico do homem adolescente para aumentar sua eficiência autodestrutiva.
A luta do homem é, então, contra sua própria natureza, que o desafia a amadurecer mesmo que contra a própria vontade, com o propósito de preservar o que o universo demorou alguns bilhões de anos para lapidar, conscientemente ou não. A luta do homem é espiritual, física e mental. É uma luta contra o espelho, contra o ego e, claro, contra seu inconsciente ignorante, que é naturalmente adverso ao conhecimento em todas as suas formas. Sendo assim, os demônios que o homem tem que encarar são bem mais fortes do que os seres malignos que já imaginou: eles são reais, mas são invisíveis e estão cheios de boas intenções. São demônios individuais, mas que podem nos levar ao suicídio coletivo, fazendo com que, prematuramente, o universo adiante seu reencontro com o nada. Um universo vivo, talvez, mas inconsciente de sua própria beleza.


6 de setembro de 2015

Eu sou Raul II

Por Jefferson Veloso


Sou isso que veem:
Sou o vício do dia-a-dia
Das noites de extremo exílio
Sou o vento que dobra a esquina
Dos prazeres incessantes

Sou homem
Sou mulher
Sou guerreira
De tripé
Sem pudor
Sou amor
Sou o que tenho sem rancor

 Sou a mãe que repousa o filho
E o filho que cuida do Pai
Sou o saber do meu neto
Que é obra do meu avô

Sou o perigo da surdina
Em terras que brotam acasos
Sou chegada da corrida
De uma caminhada sem rumo

Sou o trago do cigarro de palha
Nesse estrago que causa euforia
Sou mansão cheia de tralhas
Sou a verdade da ilusão

Sou dos bares de cartões sem crédito
Sou falta do que tens pa’ro que não precisa
Sou mera planta doida-varrida
Que não sabe o por quê
Do porque se caminha

Sou o meu pré-conceito
Sou também o que não sei
Sou os meus não dizeres
Daquilo que não perguntei



Sou a falta de tempo
Dessa pressa de morrer
Com destino ilusório
Dos perigos que assumo

Sou o macaco que caiu n’água
E viu que sabia nadar
Comendo mortes para se ter vida
Sou simples barro que sabe andar

No sabor doce da luta
Sou ferida cicatrizada
Na lembrança do amor de infância
Sou o cansaço da jornada
No terror da sensação
Sou evolução da emboscada

Seja eu mais um alquimista
Que não conseguiu criar nada novo
Mais um Ateu que acredita em Deus
Sou duas respostas para a mesma alternativa

São tantos seres dentro do “ser eu”
Que não sei se sou de verdade
Que eu seja então metamorfose ambulante
Mais um simples metamorfo
Que sofre de multi-personalidade

Eu sou ator.


21 de agosto de 2015

Permanências


Sinto saudades. 
Do pouco, do quase nada,
 mas dum turbilhão de sentimentos que adentrou em meu peito.
 Do enorme sorriso, dos cabelos longos e sedosos, 
da boca carnuda que me fez olhar e nada mais ver.

Saudades da voz, do jeito tímido, da risada larga 
e dos planos mais mirabolantes.
 Planos de um futuro muito distante... 
entremeado pelo presente, que mudou tudo
 e agora eu nada mais sei.

Apaixonei-me no presente e já te amava no futuro. 
Amor platônico, romântico e verdadeiro. 
Paixão avassaladora, concreta e tão cheia de mim. 
Sentimentos tão próximos e em mim opostos por um espaço de tempo 
que sequer existe.
 Confundem-me na incerteza de sentir os dois 
e não me encaixar em nenhum.

E se a paixão vira amor?
 E se o amor me apaixona? 
Mais fácil seria se eu permanecesse 
na imprecisa precisão 
de não me sentimentalizar. 

Mas o que posso fazer, 
se sou um ser amador
 nessa arte tão incerta de gostar?


Imagem "Denise Cardoso", retirada de:
http://www.radiojovemhits.com.br/blog/index.php?pg=home&funcao=detalhes&id=4&id_tex=690



Por Bia de SouZa

17 de agosto de 2015

Ágape





O seu mundo
Onde respiro
É insano
E intenso
É fantasia
Doce ilusão
É límpido
Libido

No seu mundo
Onde habito
Eu mergulho
Eu flutuo
Me orgulho
Me afogo
Então me alegro

O seu mundo
É o meu mundo
O meu corpo

Minha mente
Minha alma
Coração
E suas forças de atração

Agora
Que as estrelas se alinharam
Que as estradas se cruzaram
E vice versa

Os seus rios
Meus risos
E vice versa

O seu mundo
E o meu mundo
É o nosso

Um
E dois

Simples de Coração, 1995 (Eng. do Hawaii)

Otimismo

Por Jefferson Veloso




É muita gente de bem sem ter o que fazer
Somando migalhas para se ter o poder
Eu vejo essa gente espalhando suas crenças
Para cada vez mais assumir suas diferenças

Não vamos caminhar juntos por enquanto
Pois não se tem respeito onde há ódio
Deixar para lá é a forma de protesto
De quem está cansado de não ver mudança

Violência evoluída
Inventam novas palavras
Escrevem novas histórias
Equipando melhores armas
Obtendo mais vitórias
Deixando feridas expostas
Terror guardado em memória
Rezando paro passado duro
Serem apenas lágrimas
Na mente de quem chora

Esperamos sim, uma nova vida
Um tempo novo de grande fartura
 Fazendo ao coração a seguinte pergunta:
Até onde eu vou com essa sua batida?

Ser feliz. E não ter a vergonha de viver.

3 de agosto de 2015

O anjo


O ônibus já estava atrasado há 17 minutos e trinta e seis segundos. Trinta e sete. Não que eu fosse alguém com TOC e contasse minutos e segundos das coisas, mas havia um relógio de rua bem à minha frente, o que me permitia a regalia de contar até mesmo os milésimos, se quisesse.

Durante os dez primeiros minutos de atraso, estava irritado. Não havia espaço suficiente no banco para a espera e eu tive que me contentar em me apoiar no poste. Essa deveria ser uma prática proibida pela vigilância sanitária, aliás. Refiro-me a deixar os postes sem uma linha de proteção que evite o contato. Na grande maioria das vezes, estão repletos de melecas, catarros, chicletes ou outras gosmas de procedência incerta e que você só percebe a existência quando elas passam a incrementar a sua vestimenta. Isso porque nem é muito preciso falar sobre o cheiro de urina velha, canina, humana, ou sabe-se lá de onde, que transforma o mastro em banheiro público. São tantos inconvenientes que às vezes seria mais fácil proibirem os postes. Aquele, contudo, estava razoavelmente limpo, então esperei.

Já fazia quase cinco minutos que eu consegui um lugar para me sentar no ponto de ônibus, o que me fez relaxar quanto à demora. Não adiantava me irritar, xingar mentalmente o motorista, a mãe dele ou até mesmo aquele passageiro irritante que provavelmente ficou discutindo com o cobrador sobre o aumento da tarifa, alegando não saber da mudança e se recusando a pagar o novo preço e, via de consequência, atrasando a saída do ônibus. O único movimento que eu podia fazer era ficar quieto, talvez pegar o livro dentro da mochila e aguardar meu transporte.

Na verdade, eu não tinha pressa em voltar. Tudo o que eu queria era prolongar ao máximo  minha chegada em casa. Perguntas e mais perguntas, gritos, desconfianças, intrigas e insinuações eram uma constância tão irritante que aos poucos vinham se tornando como um pernilongo em dia de verão. Era inverno, mas o inferno em casa era tão forte que eu sentia o calor há quilômetros de distância.

O relógio anunciou 19 minutos e dois segundos de atraso quando o ônibus finalmente chegou. Levantei-me depressa e por uma questão de reflexo não trombei com uma moça que subia as escadas. Balbuciei um pedido de desculpas e ela retrucou com um ligeiro sorriso uma resposta.

Dentro do ônibus, contei sete pessoas, incluindo cobrador e motorista, e eles todos pareciam estar conversando sobre um mesmo assunto. Deduzi que fosse algo relacionado ao passageiro chato que brigou com o cobrador e desejei que algum dos presentes o tivesse mandado lá pra casa. 

Ri desse pensamento sórdido e me sentei. Estava cansado. Puxava de dentro da mochila meu A vida como ela é, quando notei que ela sentava ao meu lado. A moça em quem quase trombei.

Ela notou meu livro e perguntou:

- Já leu algum dos contos?

- Alguns - eu disse, olhando-a atentamente pela primeira vez. Tinha os olhos castanhos, amendoados, e um pouco de sardas no nariz - Estou estudando opções para uma montagem.

- Ah! É ator?

- Diretor. E roteirista.

Ela sorriu, um sorriso bem mais sincero que aquele primeiro.

- Sou atriz. E gosto muito de Nelson Rodrigues.

- Acho que é meio impossível não gostar - eu disse, pensando no que me esperava lá em casa - Ele transforma a realidade da ficção em uma fição bem próxima da realidade. Para mim, bem convincente.

- É engraçado como me sinto bem com suas insinuações e provocações, sem muitos rodeios. Me sinto bem viva ao fazer alguma das suas personagens!

Pensei que fôssemos conversar mais sobre nosso mundo artístico em comum, mas ela simplesmente puxou os fones de ouvido e eu entendi o recado. Não me importei muito. Acho que, no fundo, eu continuaria o papo por mero respeito e ligeiro remorso de a ter quase jogado no chão.

Tornei a guardar o livro na mochila e fechei os olhos. Minhas pálpebras doíam a cada solavanco que o ônibus dava. Eu gostava de andar de ônibus. Não gostava era dos buracos.

Devo ter adormecido por um tempo razoável, ou foi o que senti, pois acordei sobressaltado e dei de cara com aqueles olhos amendoados, a menos distância de mim do que jamais estive de uma desconhecida.

- Desculpe se te assustei! - ela disse, se afastando abruptamente - É que por um momento me senti tentada a tocar sua cicatriz. Que bobagem!

Meus dedos instintivamente tocaram a minha bochecha, onde havia um pequeno corte, agora quase imperceptível. Já fazia muito tempo, mas as lembranças eram mais marcantes do que a própria cicatriz.

- Não, não se preocupe. Só me assustei com medo de ter perdido o ponto.

Ela concordou, meio envergonhada, e olhou para frente. Fiz o mesmo, mas sentindo o calor ofegante e encabulado que emanava do corpo dela. Tornei a me virar para seu lado e perguntei:

- Você está em cartaz?

Ele tornou a me olhar, parecendo feliz por eu não ter estendido o assunto da cicatriz.

- Sim! Estou apresentando uma peça no Teatro do Parque Municipal. Escrevi o roteiro. Eu e meu noivo.

- Certo, me passe os dados. Gostaria de assistir.

Trocamos informações e contatos e conversamos algumas banalidades depois. Ela tinha muitos conhecimentos sobre teóricos e críticos teatrais, alguns cinematográficos, e senti que poderíamos conversar por horas a fio. Por sua desenvoltura nos assuntos, imaginei que seria realmente uma boa atriz.

O ônibus parou e notei ser o meu ponto. Havia chegado muito mais depressa do que eu queria, agora por mais um motivo.

Despedi-me dela rapidamente e desci do ônibus, tomando no rosto um vento gelado e cortante. Toquei instintivamente a cicatriz e lembrei-me dos olhos dela, tão colados em mim que poderiam me beijar com os cílios, se quisessem. Não questionei o que a fez querer tocar meu rosto, ou se essa realmente era a verdade por trás da sua aproximação. Apenas guardei para mim o momento.

Voltando para casa, a passos lentos e quase de caranguejo, não pude deixar de pensar que, de forma mais realista e concreta, ela foi a minha dama do lotação.

Imagem: http://camilead.files.wordpress.com/2010/06/rua.jpg

29 de julho de 2015

Àqueles dias

Por Jefferson Veloso






     Tem dias que a gente pensa que não sabe amar. Aqueles dias em que um encontro no cinema, assistindo ao primeiro filme que veem na sala de cartazes, fazendo a caminhada toda para que, de pouco a pouco os lábios se encontrem, fazem parte apenas da imaginação.
     
     Tem também os dias em que você foge do olhar do outro, como medo da violência ou da rejeição da sua verdade mais sua. Quem sabe, o olhar entregue mais verdades que a própria fala. 

    Os dias de dor são os piores. A dor maldita da perda de algo ou alguém. As dores físicas. Mentais. A dor do ego. Dor ao ter machucado alguém. Dores que ficam. Dores que vão. Cada uma fazendo sua cicatriz.
     Aí você sente medo. Medo mesmo. Mas um medo moderado.

     Pois, por mais que existam os dias em que não tenhamos entendido o significado do não-amor, do olhar e da dor, no final, ninguém quer deixar de estar vivo. E já que sobreviveu até agora, fica de boa e vai viver. E tudo ainda pode acontecer. Ou repetir.


     Pode ser que você saiba aprenda algo. Até sentir algo(mais).



25 de julho de 2015

Mais um Seu José

Por Jefferson Veloso (e por todos que fazem parte dessa caminhada)


Era só mais um Seu Zé
Numa cidade grande qualquer
Caminhando com um Seu Raimundo
Até onde dá pra ir a pé

Mais um bueiro de Ipês floridos
Neste paraíso rodeado em esgotos
Pulmões de ar que são inflados
Fotossíntese do capiroto

Procurando deus a cada esquina
Vai Seu Zé nessa maldita sina
Fazer de alguém, uma luz digna
Na escuridão densa em que ali surgia

Com as mesmas conversas de sempre
Nesses encontros de Zé e Raimundo
Onde conhecem tanta gente
Que  fazem dar graças por estar no mundo

E por aí vai.
Pior que vai.


22 de julho de 2015

Um Dos Três

          Numa quieta tarde de domingo, na primavera de 66 em Santos, debaixo de um Sol ofuscante, dona Clara, baiana sabida, mãe solteira e batalhadora, trajando um longo vestido de neve que dançava por si só, pela primeira vez levava seus filhotes à praia.
          
          Eufóricos, os garotos mal podiam se conter em imaginar quão maravilhosas seriam aquelas imagens vistas sem o filtro ocular de seus amigos mais soltos e seus vizinhos mais velhos. Queriam descobrir o que de tão espetacular havia no litoral que trouxesse toda aquela beleza da qual sempre ouviam falar mas que nunca puderam examinar, até então.
       
         Com certa dificuldade, dona Clara conseguiu conter os ânimos dos três garotos e, enfim, desceram do ônibus na marginal paralela à praia. Ao pisar na areia quente, os garotos franziam a testa por causa da claridade do reflexo do Sol, que observava de cima. Sua mãe, no entanto, não se incomodou com o ambiente, pois trajava vestimenta confortavelmente envolvente da cabeça aos pés.

          De imediato os garotos começaram a explorar o lugar, cada um pra um canto: o mais novo, logo de cara, jogou de lado as sandálias gastas e a camisa azul e se atirou de cabeça na água. A alegria com que brincava com as ondas puxava de leve os cantos da boca de sua mãe, que de longe observava atenta. O caçula era apaixonado com a profundidade do mar e, quando olhava pra cima, pensava que as estrelas que via só à noite estavam, na verdade, submersas naquele mar azul enquanto o Sol, tranquilo, se banhava. Um pouco mais velho, seu irmão do meio já estava jogado na areia, e sua camisa que antes era verde já estava camuflada com as corres da terra. Este, por sua vez, era um admirador de tudo aquilo que era vivo. Queria brincar com todos os cães que encontrava na praia, observava atento ao vento que impulsionava os pássaros e os galhos de coqueiros ali à beira. Queria entender o domínio do verde sobre os pelos da Terra. Naquele momento, para ele, foi como se não houvessem outras pessoas ali em volta. De longe e preocupada, sua mãe esboçava um grito que arranhava a garganta e enchia os pulmões, mas preferiu observar mais um pouco e seus olhos molhados brilharam ainda mais forte. Enquanto isso, o primogênito tirou sua camisa vermelha e caiu no mar. Brincou, nadou e, ao se cansar, estendeu sua camisa sobre a areia e se sentou de costas pro mundo. Sentiu a brisa na cara e observou o mar, o céu e a estreita linha que os separa. Viu seus irmãos sorrindo como nunca. Observou o Sol que gargalhava raios ondulantes, virou-se de costas ao mar e viu de novo o Sol refletindo sobre os brancos dentes de sua mãe, que botava aquele rosto sofrido pra dançar num raro sorriso.

          Depois de algumas horas de diversão, era hora de voltar pra casa. Juntos novamente, os quatro pegaram a lotação rumo à favela. Mais laranja e relaxado, o Sol aproveitava seus últimos momentos em seu banho celestial pra continuar a fotografar a família em seu caminho de volta. Pela janela do ônibus entravam poucos e pesados raios, que não tinham chances contra a cortina de dona Clara. Com uma lente turva e olhar cansado, o sol não conseguiu mais observar se os irmãos ali brigavam ou se abraçavam, nem mesmo se via um, dois ou três moleques. Era sinal de que precisava dormir. Decidiu tentar descobrir no dia seguinte.



O Grilo Que Não Louva Ao Sol

          O chorar solitário do grilo noturno faz evaporar a certeza de que a vida é uma brisa fria, um rabisco curto.
          Qualquer vento mais forte e a harmonia dos movimentos da árvore vira um caos, dando fim às vidas quentes das folhas verde-limão. Um pouco mais de força na mão e a ponta do lápis não aguenta a pressão, apagando de vez o futuro rabisco, fazendo-o ponto sem fim. Um final estático.
          O ar parado beira ao imperceptível. É lagarta que não tece casulo; É lápis sem ponta; É o boêmio solitário a clamar seu passado frustrante; É grilo verde-limão que cai em prantos alcoólicos sempre que a escuridão da noite rouba-lhe a cor.


18 de julho de 2015

Flores e pedras

Por Jéfferson Veloso


A gente escreve tanta coisa
E vê que todas essas coisas
São escritos de uma dança só
A gente caminha tão longe
E da caminhada se tem o mesmo pó

Não nos perdemos com o novo
Deixando pra trás o velho
Pois o velho que já foi novo
É novo que ficará velho

São flores que enfeitam o ambiente
Dessa imagem pesada de pedras
São duas coisas diferentes
São flores
Entre pedras

Ver Ipês assim, florescendo
Nos cantos de qualquer floresta
Nasce vida em qualquer  festa
Na juventude que vai se perdendo

O professor que aprende
É o aluno que ensina
A luz presente do Sol poente
Traz consigo a Lua
E a Ilumina

PS.: São palavras jogadas...

Por Jéfferson Veloso





Não há Dionísio sem Apolo
Nem o rico sem o pobre
Só tem o ying se tiver o yang
Pois onde tem o bem percorre o mal
Mal que faz bem
Mal que faz mal/u
E vice-versa

E pensar que sou  extraterrestre
Nessa terra que é só mais um planeta
E ver que o céu que te persegue
É o mesmo céu de outro cometa

A gente inventa tanto caminho
E caminha ainda pro mesmo encontro
Encontro que nos faz amigos
Que caminham
Cada um pro seu lado
Sem voltar pro mesmo canto
Que sempre é o mesmo
E que se alinham

Somos pessoas olhando pro Sol
Somos planetas olhando pro espaço
Por que o céu é um limite em prol
De quem caminha com o pé descalço

É bom saber que sou ser curioso
E ruim também, suponho
Pois da mesma água que sacia minha sede
Brota a água que me tira o ar
Enfim
Vou caminhar
Pra poder descansar

14 de julho de 2015

Gravidade (Aperto)

          Dizem que estamos a seis apertos de mão de qualquer pessoa no planeta. Qualquer Mohammad no Oriente Médio, qualquer Silva no Brasil, qualquer maluco americano, qualquer músico britânico, qualquer irmão africano... Não importa quem seja, são só seis apertos. Seis pouquíssimos apertos.
          Um aperto de mão é nada mais que uma saudação, um cumprimento simples, rápido, geralmente acompanhado de uma ou duas palavras artificiais, dois olhares tímidos e comportados. Talvez meio sorrisos. É seco e falta calor. Se comparado com um abraço, nem deveria existir.
          Falando neste, o mesmo dispensa apresentações: involuntários, os corpos dialogam com mensagens de calor e conforto. As quatro mãos tem uma superfície, um alicerce, e de repente se tornam pilares. Os corações fazem música. Dois olhares misteriosos que não se comunicam e por um instante se perdem em qualquer ponto. Os sorrisos são largos e saltitantes. Então se tem um cumprimento. Só depois, na sua devida hora e lugar, entram em campo as palavras.
          Digamos então que estamos a apenas seis abraços de qualquer ser humano. São pouquíssimos abraços. Seria um exercício no mínimo curioso poder abraçar qualquer pessoa no mundo. Mas fato é que, mais do que qualquer pessoa nesse minúsculo planeta abraçado por toda essa infinidade de estrelas por todos os lados, sou um cara de sorte. Se eu tivesse seis dedos na mão, não sei quantas vezes eu teria que abrir e fechar até que eu pudesse contar quantos abraços sinceros tenho trocado nos últimos tempos. E não é com qualquer pessoa. São com as melhores pessoas que alguém poderia conhecer. Aquelas com os melhores defeitos, seus misteriosos efeitos em nossos melhores momentos.


2 de julho de 2015

O dia em que me tornei Sarah



Encontrava-me a ler quando, de repente, os olhos fechei. Entrei naquele momento de transe estranho, sem muito conhecimento de causa, não sabendo ao certo se dormia ou descansava.

Senti meu corpo flutuar sem, contudo, sair da cadeira. Vi-me levada a uma realidade que não era a minha, mas fazia parte de um passado de moldura presente.

Amedrontei-me.

Olhei para mim e meu corpo estava só, desprovido de cobertura e repleto de uma luz branca que em minha pele se refletia. Rostos sem fisionomia me rondavam num giro rápido e contínuo, murmurando palavras das quais reconheci apenas meu sobrenome.

Asfixiei-me no ar denso, repleto de um cheiro pútrido de devassidão e isolamento. Meu corpo ardeu no gelo ao qual meu coração se aderia lenta e gradativamente.

O sol aqueceu minha nuca e eu, novamente, sem me perceber de fato, os olhos abri. As palavras se refizeram à minha frente, dando forma a um texto que antes era meramente narrativo.

Ali, lia-o como quem vive a realidade de quem morreu sem fim. Não mais fechei os olhos.

Chorei.

11 de junho de 2015

Em noites de Lua Black Power...

Por Jefferson Veloso


Sou do inverso, pretexto fachado
Amargo da língua em lua minguante
Seu cheiro chegava em tom marcante
Como a marca que sai do ferro queimado

Suas luzes são tão vivas
Seus olhares, seus amores
Da sua espera até sua ida
Seu simples mundo de várias cores

E sonhar um lindo sonho num simples quarto verde...


2 de junho de 2015

A Cazuza

Não me pediram para olhar
Cada passo que percorre 
A vida torta

Não me perguntaram se eu gostava
De ver a cada esquina
Uma nova felicidade

Não me disseram que seria fácil
Nem mesmo possível
Apenas deram-me o roteiro para decupar

Não me questionaram opinião
Sobre o passado rasgado
Ou o futuro perdido

Não me deram chance
Não me deram forma
Não me deram
Não

Olhei e vi
Respondi e andei
Decupei e sofri
Perdi e ganhei

Andei pela vida
Largando para trás o tempo sentido
Pulei os furos inflamados
Os pesos doídos
Voei descalço
Sorri divertidamente leve

Ninguém me disse que olhar para trás não apertaria
Compactei

Num disco de baixas melodias

Bia de SouZa




12 de maio de 2015

Retrato a Tainah

Movido fui a escrever,
Às vozes do tempo clássico,
Ao teu louvor e prazer
Sumamente literário,
Este canto eclesiástico.

Tens nos olhos um querer
Oriental de natureza,
Que às Gueixas vem oferecer
Liberdade ocidental
Sem a mentira ou surpresa.

De medusa, os teus cabelos
Revoltos e em movimento,
Cristalizam-se-me os olhos,
Feito mármores marinhos,
Quando os vejo a todo tempo.

Tens no queixo alexandrino
As curvas de toda a história;
Desde as artes de menino,
De um adulto o aprendizado,
Até dos velhos a glória.

Co'a soberba de um Augusto
E beleza sem limite,
Sustenta-lhe o resto o busto
Com tamanha maestria
Que dá inveja até a Afrodite.

Este teu retrato pinto
Com as cores da liberdade,
E quando canto, não minto,
Pois não existe exageros
Quando se impera a verdade!

11,5,15

11 de maio de 2015

Medusa

Os seus olhos de medusa
Transformaram-me num quadro,
E as cores, de tão difusas,
Preencheram-me um adro

Que da acesso u'a sala lusa
Com azulejos sagrados,
Onde uma imagem confusa
Está a servir-lhe de ornado;

Esta estátua vil abusa
De ter o seu nome herdado,
E julga-se ser a musa
De meu sonho consternado.

A.P.

8 de maio de 2015

Batalha

Por Jefferson Veloso



No sofrimento que assurgires
E nãos ilusões da vida sofrida
Esqueça as batalhas simples
A maior guerra é antes da vida

Milhões e milhões de vocês
Procurando vaga para existir
No ovo que em si fecunda
O big-bang natural de surgir

Vida esta que começa
Batalhou antes de ser
Mas se esquece de que quand'era
Brigou bravamente para ser você



7 de maio de 2015

Quero

Por Jefferson Veloso



Cachaça que vem da cana
Desencana meu saber
Me faz ser mais sacana
Sacando o que quero fazer

Marijuana que dá brisa
Mais em conta tu me faz
Faz surgir a calmaria
Com a risada fugaz

Opostos que se atraem
No doce este que é amargo
Ou sem gosto de miragem
Dos dragões nos quais afago

Cada qual com o seu nome
Cada efeito sua viagem
Onde encontra ou talvez some
Caminhos novos que o (des)fazem




3 de maio de 2015

Singelo

Por Jéfferson Veloso



Num colchão bem macio
Ou no chão de sala qualquer
Como pão bem quentinho
Ou torradinha com café

Chá de camomila
Produto que sai da terra
Sachê cheio de vida
Vida que sai da caneca

Biscoito de trigo e leite
Com chocolate bem quente
Desenho completa o deleite
Do prazer que se faz presente

Café preto e bem coado
Coador de pano certeiro
Pão de queijo agraciado
Que agrada o povo mineiro

De manhã cedo e chocolate em pó no copo
Vai no curral e acompanha a ordenha
Pra sentir o fenômeno natural
De tomar leite fresquinho da teta

Maçã e banana que acalma
Chá de romã que acompanha
Para o descanso do sono prevalecer
E acordar com xícara de café
Enquanto assiste o Sol nascer



1 de maio de 2015

A Bailarina

         


           Quando ouço Für Elise, de Ludwig von Beethoven, sinto que ela dança em minha mente, transformando esta em uma caixinha de música, habitando, intermitentemente, os mais belos recônditos de meus devaneios poéticos; sinto que suas leves sapatilhas de cristal deslizam sobre minha massa cefálica, levantando toda poeira de neurônios e fazendo-os iluminar meu sótão de pensamentos brilhando feitas estrelas no firmamento; seu vestido rosa-bebê, girando em cirandas sincronizadas, sinto acariciar sob meu couro cabeludo todas as ideias, afastando para longe as ruins e convidando para dançar as boas, como um repentista que enfeitiça outros a serem também repentistas enquanto entoam seus cordéis pelas praças; rodando e voando, feito as asas de cisnes apaixonados, eu vejo seus braços regerem mil versos em meus pensamentos, desenhando Ilíadas, Odisseias e Lusíadas, como uma Musa-maestrina de uma orquestra divina; seus cabelos pairam ondulantes por entre as raízes dos meus, feito um convés a levar um marinheiro que busca novos horizontes para descansar. Assim é formada a bailarina de minha cabeça, esta caixinha de música, dando corda a todos os meus sonhos, tanto diurnos quanto noturnos.

            E quando a música para, e sua valsa termina, ela se senta sobre meu cérebro, macio feito colchão de nuvens, com as pernas cruzadas, os pés debaixo de suas coxas, esperando que eu lhe conte uma história para dormir, repleta de fantasias verdadeiras, daquelas capazes de fazerem todas as mulheres se unirem em um único canto de vaidade e prazer; após essas historietas, ela dorme, deitando-se sobre meu único sonho verdadeiro: o teu corpo desnudo afogando meus medos e anseios, encobrindo-me de prazer e amor por toda noite.


Augusto Procópio