27 de novembro de 2015

O Véu



Ela estava deitada sobre a relva molhada, amarelada por um pálido e frio amanhecer. Seu corpo estava repleto de gotículas de orvalho, que lhe faziam cócegas na medida em que se espreguiçava... vagarosamente.

Seus dedos dos pés tocaram em florezinhas roxas, que ela sabia estarem ali esperando pela luz do sol para se abrirem. Sorriu. Também ela estava à espera do sol para florir.

Sentou-se num movimento quase em câmera lenta e olhou ao redor, recebendo no rosto o cheiro de um novo dia. Tudo o que via era a imensidão da natureza. O vale florido, as árvores frondosas e a floresta que se erguia escura a alguns pés de distância. Sempre se aproximou da entrada da floresta, decidida a, "dessa vez", aventurar-se por entre suas árvores longas e retorcidas, mas nunca levou a cabo suas intenções.

Naquele momento, entretanto, viu seu pés tocarem os galhos retorcidos da primeira árvore, depois da segunda, terceira, e muitas outras. A luz que iluminava seus cabelos acinzentados fora substituída por uma escuridão quase completa, recortada por alguns finos feixes de luz que conseguiam escapar pelo túnel de galhos retorcidos que se estendiam em direção ao céu.

Ela andou por um tempo que não soube definir, percebendo que não saberia mais encontrar a saída. Entretanto, aquilo não lhe era um problema. Respirava o ar frio da floresta como quem pela primeira vez inspira ar puro e verdadeiro. Sentia como se estivesse de volta ao lar, mesmo que nunca houvesse colocado os pés ali anteriormente.

Crack!, um galho seco se partiu com ruído, assustando-a mais que o normal. Ela olhou para o chão, abaixando-se devagar e notando não se tratar de um galho, mas de uma espécie de varinha, tão retorcida quando as árvores ao redor. Nunca fora de crer em contos de fadas, por mais propícios fossem a estas histórias os locais por onde crescera. Vales verdes e cheios de animaizinhos pequenos e exóticos, castelos e casas circulares, florestas negras e ameaçadoras. Eram tantas as histórias que ouvia desde criança que aos poucos elas, ao invés de se tornarem mágicas, foram ficando maçantes e sem graça.

Pegou delicadamente as duas partes quebradas da varinha e, mesmo sabendo que era de uma tolice infantil, encaixou-as, fazendo com que a varinha se tornasse una de novo.

Um líquido prateado escorreu pela emenda da varinha e a envolveu como um véu de seda. Ela não conseguia soltar o objeto, fosse por tamanho espanto ou por alguma coisa oculta que a fazia continuar segurando-a. O líquido escorreu para as suas mãos e aos poucos envolveu todo o seu corpo, com uma cócega fria e formigante.

Envolvida numa espécie de bolha, ela se sentiu sugada para dentro do sonho que tivera naquela madrugada. Uma mistura de vozes sussurrantes, mãos sem dono e uma canção infantil que a faziam se sentir muito bem. Seus pés já não mais tocavam o chão e ela era guiada pelas mãos indefinidas em direção ao desconhecido; uma rainha louvada por súditos fiéis.

O frio e o formigamento sessaram. Ela abriu os olhos e notou que segurava apenas a parte inferior da varinha. Olhou no chão ao redor, procurando a parte faltante, mas não conseguiu encontrá-la. Não havia vestígios do líquido prateado que a havia envolvido, nem mesmo a varinha agora parecia mais do que um mero galho partido. Resolveu guardá-la, contudo, como uma espécie de troféu de sua primeira andança pelas florestas.
Imagem: http://www.culturamix.com/beleza/mulheres/musa-da-floresta

Olhando para frente, notou que as árvores agora se abriam para um caminho relativamente largo e iluminado por uma cor azulada. Quase na linha do horizonte, ela avistava o pequeno castelo onde morava.

Recomeçou a andar, com os olhos fixos no castelo, mas deixando o pensamento naquele lugar que ela, pela primeira vez, considerava mágico. Pretendia buscá-lo depois.



Por Bia de SouZa

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