22 de julho de 2015

Um Dos Três

          Numa quieta tarde de domingo, na primavera de 66 em Santos, debaixo de um Sol ofuscante, dona Clara, baiana sabida, mãe solteira e batalhadora, trajando um longo vestido de neve que dançava por si só, pela primeira vez levava seus filhotes à praia.
          
          Eufóricos, os garotos mal podiam se conter em imaginar quão maravilhosas seriam aquelas imagens vistas sem o filtro ocular de seus amigos mais soltos e seus vizinhos mais velhos. Queriam descobrir o que de tão espetacular havia no litoral que trouxesse toda aquela beleza da qual sempre ouviam falar mas que nunca puderam examinar, até então.
       
         Com certa dificuldade, dona Clara conseguiu conter os ânimos dos três garotos e, enfim, desceram do ônibus na marginal paralela à praia. Ao pisar na areia quente, os garotos franziam a testa por causa da claridade do reflexo do Sol, que observava de cima. Sua mãe, no entanto, não se incomodou com o ambiente, pois trajava vestimenta confortavelmente envolvente da cabeça aos pés.

          De imediato os garotos começaram a explorar o lugar, cada um pra um canto: o mais novo, logo de cara, jogou de lado as sandálias gastas e a camisa azul e se atirou de cabeça na água. A alegria com que brincava com as ondas puxava de leve os cantos da boca de sua mãe, que de longe observava atenta. O caçula era apaixonado com a profundidade do mar e, quando olhava pra cima, pensava que as estrelas que via só à noite estavam, na verdade, submersas naquele mar azul enquanto o Sol, tranquilo, se banhava. Um pouco mais velho, seu irmão do meio já estava jogado na areia, e sua camisa que antes era verde já estava camuflada com as corres da terra. Este, por sua vez, era um admirador de tudo aquilo que era vivo. Queria brincar com todos os cães que encontrava na praia, observava atento ao vento que impulsionava os pássaros e os galhos de coqueiros ali à beira. Queria entender o domínio do verde sobre os pelos da Terra. Naquele momento, para ele, foi como se não houvessem outras pessoas ali em volta. De longe e preocupada, sua mãe esboçava um grito que arranhava a garganta e enchia os pulmões, mas preferiu observar mais um pouco e seus olhos molhados brilharam ainda mais forte. Enquanto isso, o primogênito tirou sua camisa vermelha e caiu no mar. Brincou, nadou e, ao se cansar, estendeu sua camisa sobre a areia e se sentou de costas pro mundo. Sentiu a brisa na cara e observou o mar, o céu e a estreita linha que os separa. Viu seus irmãos sorrindo como nunca. Observou o Sol que gargalhava raios ondulantes, virou-se de costas ao mar e viu de novo o Sol refletindo sobre os brancos dentes de sua mãe, que botava aquele rosto sofrido pra dançar num raro sorriso.

          Depois de algumas horas de diversão, era hora de voltar pra casa. Juntos novamente, os quatro pegaram a lotação rumo à favela. Mais laranja e relaxado, o Sol aproveitava seus últimos momentos em seu banho celestial pra continuar a fotografar a família em seu caminho de volta. Pela janela do ônibus entravam poucos e pesados raios, que não tinham chances contra a cortina de dona Clara. Com uma lente turva e olhar cansado, o sol não conseguiu mais observar se os irmãos ali brigavam ou se abraçavam, nem mesmo se via um, dois ou três moleques. Era sinal de que precisava dormir. Decidiu tentar descobrir no dia seguinte.



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