29 de dezembro de 2014

Opus Dei

Havia apenas uma fresta de luz. Um pequeno buraco entre as inúmeras rochas pretas daquela masmorra. E ela se direcionava exatamente para os olhos dele.

Não sabia ao certo há quanto tempo se achava ali. Suas percepções se distorciam em proporção à dor e à insanidade. Seus braços já não mais se moviam, e a pele já havia aderido às dobras da corrente, formando uma massa quase uniforme. Ele dormia a maior parte do tempo; a única fuga possível e ao seu alcance. Mas lá estava aquela fresta de luz, iluminando seus olhos e não lhe permitindo dormir.

Abriu as pálpebras e deixou-se cegar. Doía como se houvesse uma navalha a cortar seus olhos, como uma punição extra, um adendo ao purgatório. Ele piscou incontáveis vezes, e as lágrimas brotaram como uma nascente, límpida e salgada. Não soube dizer quando conseguiu sustentar o olhar penetrante daquela luz, mas quando o fez, ele sentiu a presença de Deus.

Esforçou-se para se sentar ereto e posicionar sua cabeça inclinada para cima. Era o momento de conversar com Ele. Queria dizer o quanto se sentia só, em como havia esperado por aquela oportunidade. Tanto tempo passado, ele ali, completamente despido de vestes, sentimentos e esperança. Rezou, implorou durante os primeiros dias; Por uma ajuda. Uma melhora. Um milagre. Depois dormiu... desistiu de pedir ajuda aos Céus, quando nem mesmo na terra conseguia alguma graça. Queria dizer que chegara a sonhar com a Morte de Deus. Uma morte sofrida, como aquela a que ele vinha passando. Morte em vida, duradoura, lenta e cheia de pequenas novas surpresas. Deus havia morrido, e quando Sua luz se apagou, ouviu-se um riso frouxo e prolongado. Era dele mesmo, acordando do sonho que, naqueles dias, mais o fizera desligar das próprias dores e sentir uma dor relacionada ao próximo. Sofreu por Deus. Queria perguntar o porquê de tamanha surdez, o porquê daquele abandono, de tamanho desleixo e desinteresse. Se tivesse forças, queria se levantar e cuspir em direção à luz, atirar sobre ela algum objeto cortante, como se ele pudesse parti-la ao meio e enfraquecer a Sua força. Se Deus era onisciente, onipotente e onipresente, ele se sentia inconsciente, impotente e ausente. Sentia raiva, e naqueles instantes também sentiu que poderia rasgar sua pele, desligar-se das correntes e fugir dali.

Mas chorou. De soluçar, ficar sem ar e completamente dolorido. Viu novamente os olhos serem preenchidos por lágrimas que borraram a sua visão da luz, mas não impediram que os olhos sentissem o seu brilho e o seu calor. Deus estava ali.

Fechou os olhos.

http://flickrhivemind.net/Tags/fresta/Interesting


Por Bia de SouZa

20 de dezembro de 2014

Antítese sintética



Deságuo num mar seco
Desando numa estrada sem chão
Me dispo num corpo coberto
Desfoco meus olhos em direção

Recrio o incriável
Refaço o infazível
Reconto o incontável
Renasço do inascível

Canto em silêncio
Vejo dormindo
Sorrio com seriedade
Choro sorrindo

Vivo morrendo uma morte vívida
E sinto sensações numa pele em anestesia
Morro vivendo uma vida mortífera
Acordo sonhando uma realidade
Surrealista


Ciclo Surrealista - Bruno Lopes - http://brunolopes.blogs.sapo.pt



Por Bia de SouZa

18 de dezembro de 2014

CVII - Loja de conveniências

Um homem, quando ama uma mulher,
Nela está a buscar o que a ele agrada,
Chamando-lhe, por isso, "minha amada"
Como se esta fosse um prêmio qualquer;

Quando uma mulher a um homem ama,
O faz por mor prazer e por vaidade
Ao crer que este ser é, na verdade,
Quem lha deseja e por ela clama.

O amor é a moeda do presente
Que compra mor prazeres e desejos
De homens e mulheres descontentes;

Trocamo-las por vis e meros versos,
De idílios que, à vaidade inerentes,
 Transformam-nos além do que sonhamos.

A.P. - 18,12,14

Metamorfose de Narciso, de Salvador Dalí - 1937

15 de dezembro de 2014

Relatos de um usuário (Ditos em primeira pessoa. Pessoa esta dita na terceira do plural)


Como dizia uma pensadora dessa elite ambulante: "Já que eu bebi, comi, fudi e fumei, vou-me embora dessa festa."
Mas a festa continua
Ela esta por aí
Por ali
Pra quem quiser assistir
Mas isso não tem nada ver com o que vou escrever ( ou tem )?
Bem, estou aqui para lhes informa sobre a droga. Que vem destruindo familias. Destruindo cercas. Ajuntando quintais.
Ela, caros leitores, invade seu corpo. Sacode a sua alma (sim, você tem uma, não é legal?). Domina os sentidos, como uma droga qualquer.
Mas essa droga, caros leitores, essa droga vai além do qualquer droga já foi. Ela meche com o seu cérebro... Inteiro!
Vocês que nunca experimentaram, não cheguem perto, por que ela é perigosa.
Caros leitores, isso é muito sério.
Talvez vocês já tenham ouvido falar dela, já que está em qualquer festa, de todos os tipos.
Já passou em festa de criança e rodopiou pelos bailes de terceira idade.
Foi seguindo o horizonte do rock e descendo até o chão nos bailes funk.
Só de falar nela os efeitos já vão surgindo novamente.
Tao forte e sutil que você, caro leitor, nem percebeu que já dei o nome dela. Porque ela é isso. Ela não tem um nome, mas todos conhecem como música. Sim, música!
Não, você não leu errado ( e eu me sentindo parte de reportagem sensacionalista escrevendo isto)
Não existem limites certos para a quantidade de música que a pessoa usa possa aguentar. Porque a música que afeta mais a um usuário não afeta a outro da mesma forma.
Hoje fui num show(que é assim o nome dado ao lugar onde a galera se reune pra usar música) onde tem a droga mais pesada, pra mim.
Raul Seixas
Se você usa música, use, mas não chegue nunca perto de Raul Seixas.
Ela consome a você todo. Te mistura num mexidão de todo mundo que não tem voz nenhuma, a não ser aquela que brota do subconsciente: TOCA RAUL.
Mas, agora que sabem de qual droga estou falando, sabem do quão forte pode ser a onda do usar Raul Seixas.
Hoje não se tem o verdadeiro Raul Seixas. Mas essa droga disse assim: "Que meu corpo seja cremado, e que minha cinzas alimentem a erva, e que a erva alimente outro homem como eu, porque estarei nesse homem, nos meu filhos."
Como vêem, ela não tem seu sabor original, mas sua semente brotou e deu frutos.
Os sintomas desses frutos podem ser dados pela:
-falta de coordenação dos membros (vontade incontrolável de pular, dançar, bater palmas e cerrar os punhos,deixando o mindinho e o indicador levantados)
-perda total do íntimo (todos se abraçam, se beijam, fazem amizades de longas datas em um único encontro)
- euforia e felicidade extremas.
Sim Raul
Sua árvore deu frutos
De todos os sabores
De todos os odores
Do início ao fim
E o meio.
Tu és tao forte
Que une a todos nós
Não existe oposição
Não existe dona de casa
Existe a lei do forte
Que te faz escolher
Se quer pouco como um rei
Ou muito como Zé
Somos todos iguais perante a sociedade
E sentamos juntos à mesa
À mesa da linda e louca
sociedade alternativa!
A sociedade alternativa ainda está acordada. Sempre esteve. Mas ainda está de ressaca.



Por Jéfferson Veloso

17 de novembro de 2014

14 de novembro de 2014

Palavra de homem

Vou te amar
Haja o que houver, eu vou te amar
Hei de lhe deixar jurado
Nunca mais voltar atrás
Palavra de homem, eu vou te amar.

Posso até
Sair de ruas em ruas, em nuas, nas tuas
Recitar poemas
E me apaixonar
Com qualquer outra trocar olhar
A noite inteira
Eu vou te amar.

Vou te exclamar
A qualquer hora o meu eterno amar
E se em ti uma dúvida despertar
Dispensa essa agonia
Eu vou lhe provar.

Vou unir
As nossas palavras, estradas, sonhadas
Meu amor, eu vou rugir
De novo e sempre, na calada
Eu vou aclamar.

Pode ser
A nossa história
Mais uma real quimera
E pode o nosso afeto, a casa, o sonho
Se realizar.

Podes ver
Que em qualquer um dos tempos
Voltarás a ser apenas uma quimera
Elas
Entre elas
Eu vou te amar.

A.P.

13 de novembro de 2014

Com Afeto



Já é tarde e a pequena Rebeca precisa dormir, pois nas manhãs de quarta, na escola, a professora sempre pede para que as crianças façam os exercícios de matemática encontrados ao fim dos capítulos do livro didático e, como nunca foi tão boa com os números, estar com sono não ajudará muito a estudiosa garota. Entretanto, como de costume em todas as noites antes de ir pra cama, a jovem mocinha puxa a mãe pelo braço e a acompanha até seu quarto mal iluminado, assiste-a a se esticar pela cama e a cobre com o edredom estampado com personagens de desenho animado de sempre. Ao lado da fria cama de casal há um criado mudo carinhosamente apelidado pela solitária senhorita como Zê. Sobre o móvel há um desgastado livro de contos infantis, velho companheiro noturno da mãe da menina desde que seu marido, o qual sua linda filha nunca chegou a conhecer, partiu com uma jovem e esbelta rapariga sem deixar sequer um bilhete na porta da geladeira.
Sorridente, Rebeca retira com leveza os longos cabelos do rosto de sua mãe – que fecha os olhos – e os prende atrás das orelhas que logo se atentam a ouvir a história da noite. A garota então pede para que sua mãe ordene que Zê não se aborreça ao ficar temporariamente sem seu amigo de papel. Ordens dadas e obedecidas, sorrisos nos rostos e, com sua voz suave e oscilante, a garota começa a narrar:

Em uma pequena e muito distante terra havia um rei muito poderoso. Ele era o governador do pão, das terras, das armas, das águas, dos homens e de todos os sentimentos. Tudo ali funcionava ao sabor das decisões e desejos da majestade e da família real, protegidos por barreiras e mais barreiras de soldados dentro e fora das muralhas do castelo.

Certo dia ao perceber que os homens não estavam mais seguindo à risca a todas as suas supremas ordens, a majestade decidiu investigar a causa de tamanho caos naquele pacato lugar.

Nesse momento a mãe de Rebeca interrompe inquieta, sugerindo o que havia causado a desordem no reino:
           "Foram as bruxas malvadas que queriam tomar o castelo! Aposto que elas lançaram o feitiço da desordem naquele povo."
            Impaciente, a garota disse que aquele conto não era sobre fadas e bruxas como o do dia de ontem, pediu para que se contivesse daquela euforia e que esperasse o desenrolar da história para que pudesse tirar suas conclusões. Logo se seguiu a narrativa.
           
            Não foi difícil para o rei diagnosticar as causas da aparente doença - como dizia a majestade - que se espalhara e já contaminava boa parte daquela pacata gente trabalhadora, pois não se falava em outra coisa em todo canto senão de dois novos sentimentos que Simão, o alquimista, havia descoberto recentemente com a ajuda de sua esposa Helena, a comerciante. Sentimentos tais batizados pelos dois como Amor e Empatia. Tal como fogo e pólvora, quando unidos esses dois novos sentimentos eram poderosíssimos.

            Assim como todos os demais habitantes daquela terra o alquimista trabalhava para o rei, com a tarefa principal de moldar e controlar sentimentos ao bem querer da corte – como era feito com a paz, por exemplo – e criando novos sentimentos para serem distribuídos por todo o reino, como frequentemente acontecia com o sentimento do medo, distribuído de modo gratuito e obrigatório diariamente aos padeiros em forma de fermento em pó – em embalagens todas brancas com desenhos de pombos igualmente brancos sob o selo real - a ser misturado à farinha de trigo. Dizem os historiadores que os pães naquele lugar eram os mais belos, saborosos e, por tudo isso, os mais viciantes já vistos em toda a história.

            É sabido que o rei ficou infinitamente furioso com Simão e que chegou ao ponto de cogitar a condenação do pobre coitado à forca ou ao cárcere perpétuo – costumeiras punições do antigos reis, seu pai e seu avô, para quaisquer indivíduos que abalassem a ordem no reino – por espalhar tais pragas de tamanha periculosidade pelo seu valioso reino. Entretanto, ao perceber que tudo não se passava de um deslize do curioso alquimista e que poderia ainda precisar do mesmo para conter aquela febre, o rei, que não era bobo, disse que perdoaria o pobre homem contanto que ele se dispusesse a ajudar a conter aquelas ameaças. Trato feito, saudações à majestade: era hora do café real. Meio sem lugar naquele exuberante palácio, o maltrapilho alquimista teve que recusar o convite para o glamoroso banquete, já que estava a testar uma dieta especial de bases homeopáticas, se limitando a umas poucas ervas e especiarias preparadas por sua esposa, a fim de se curar de um mal crescente que lhe causava insônia.

           Simão sabia lidar como ninguém com os sentimentos e seus reflexos nos homens. Sabia o bastante para criá-los, controlá-los... Mas jamais destruí-los. Era impossível. Uma vez experimentado o sentimento criava um espécie de vida própria e passava a existir para sempre. Mas a ordem do rei era clara: fazer com que a ordem e a obediência total fossem restabelecidas naquele lugar. O alquimista sabia que seria difícil realizar os desejos da corte dessa vez, mas não lhe parecia impossível. Voltou então ao seu laboratório de araque para pesquisar um pouco mais.

           Depois de muita experimentação e observação o homem de ciência percebeu que os dois sentimentos só tinham aquele poder ameaçador quando atuavam juntos em um indivíduo ou grupo. Quando separados poderiam ser facilmente manipulados e distorcidos. Logo contou sua mais recente descoberta à sua querida esposa Helena. Faltava agora separar os sentimentos que ele havia espalhado gratuitamente misturando-os ao café moído vendido na feira. Essa tarefa sim era impossível, pois o amor fora espalhado em forma de um novo e puro sabor de café enquanto a empatia estava em forma de um novo e suave aroma. Não havia maneiras para separá-los, sabor e aroma. E dizia o homem cabreiro que quem já havia provado aquela combinação poderosa jamais a esqueceria.

            Foi então que subitamente surgiu à Helena uma inusitada ideia: “Que se lance então um novo café de sabor mais marcante, cheiro mais forte e viciante, de embalagens hipnotizantes de tão belas e que se lance com preços que variam de acordo com o nível de amor que se queira alcançar, deixando assim a empatia de lado. Diga por toda parte que esse é o verdadeiro café do amor, divulgue a todos no reino que a novidade ficou ainda melhor. Contratem músicos para que exaltem a pureza e a qualidade do café, chame os mais famosos poetas para criarem e recitarem poemas e mais poemas sobre damas enamoradas correndo por cafezais, os mais exuberantes atores para que romantizem peças e mais peças no grande teatro central. Vendam esse café a qualquer custo!”.

            Desta vez era o rei quem obedecia às ordens da sábia Helena, assim como Simão Já fazia. O alquimista se pusera rapidamente a fabricar o novo café, agora sem empatia – que estaria privada aos poucos que ainda se lembram do seu suave aroma de humanidade – enquanto a majestade se pôs a fazer com que tudo funcionasse de acordo com o sugerido pela forte mulher. Não bastaram mais que duas semanas para que o novo café caísse no gosto de todo aquele sofrido povo. O alvoroço em torno do novo produto foi tão grande e tão estrondoso foi o sucesso daquela estratégia que até mesmo quem nunca tomava café passou a adorar àquela prazerosa sensação de alegria que se tinha ao tomar a bebida. Todos ali queriam o café. Uns queriam muito, outros um pouco menos, mas, no geral, ninguém queria viver sem experimentar os prazeres que um bom café prometia.

            Finalmente a ordem voltou a reinar acima de tudo naquela distante terra e a paz, por fim, fora posta em seu devido lugar. Dizem os historiadores que nada mais abalou o espelho d’água sobre aquela terra que se afogava em amores naqueles tempos secos de empatia. Diz-se também que alguns dos poetas que ali viviam e escreviam sobre o café que provaram antes do grande alvoroço, sobre o sabor que lhes adoçava a língua junto ao aroma único que cheirava à pureza da infância, foram esmagados um a um pelo sufocante silêncio que aquela paz trazia. Como não mais vendiam seus delírios poéticos, os que sobreviveram passaram o resto de suas miseráveis vidas comendo pão de ontem acompanhado por café frio e amargo.

FIM

            Acabando a história aos bocejos, a pequena Rebeca fecha o pequeno livro, devolve-o carinhosamente à Zê, dá um beijo na testa de sua mãe – que em posição fetal já dormia há tempos – passando levemente a mão pelos seus cabelos e sai rumo ao seu quarto, sem apagar as luzes ou fechar a porta do quarto da mãe. Chegando a seu quarto exausta, deita-se e, finalmente, pega no sono. No dia seguinte Rebeca se levanta antes mesmo que o velho Sol. Se esticando, aos bocejos novamente, prepara cuidadosamente o café da manhã pra sua querida mãe que ainda dorme tranquila. Leva tudo numa simples bandeja metálica e acorda a mãe com um beijo estalando na testa e um bom dia sorridente.
           
           “Acorde mãezinha querida! Já é quarta feira e ainda temos pão. E café.”



7 de novembro de 2014

Filtro Lunar



Ele estava quieto, com os joelhos dobrados e os braços os envolvendo sem muita pressão. Olhava a lua pálida no céu e a enxergava toda borrada. Sentiu um vulto sentar-se ao seu lado e aguardar...

- A lua fica mais bonita se você não colocar filtros entre seus olhos e ela - Ela disse, e com os dedos mais delicados do mundo, enxugou as lágrimas dele.

- É verdade... mas posso sentir a sua luz, de toda forma.

Ele apertou contra si os joelhos e respirou fundo. A luz da lua lhe era mais importante do que qualquer estrela. Sentia-se vivo abaixo dela, e mesmo com os olhos marejados, uma singela felicidade brotava em seu peito.

- Não cheguei a lhe contar. Mas passei no teste - ele disse, sem olhar para ela.

Sentiu um abraço apertado, cheio de uma respiração ofegante e entrecortada por risos pequenos.

- Isso é maravilhoso! Mas não entendo o motivo do seu choro...

Ele a encarou pela primeira vez, e deixou que seus olhos se enamorassem daquela moça de pele alva, os cabelos amendoados e queimados de sol.

- É choro de medo. Medo de ser feliz. De gostar tanto da felicidade e ela um dia me deixar. Não quero voltar pra "isso" de novo.

Ela mordeu o lábio inferior, como fazia todas as vezes que queria dizer algo mas não sabia como. Ele sempre adorara os trejeitos dela, e não conseguiu deixar de esboçar um sorriso.

- A felicidade é traiçoeira, sim - ela disse, finalmente, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha - Às vezes ela se mostra tão brilhante (como a lua, hoje) e faz com que nos apaixonemos por ela. E de repente ela se vai... Mas sabe? A gente só se sente infinitos, assim, porque a felicidade não é constante. É por isso que ela nos é tão cara. E maravilhosa.

Ele já tinha pensado em tudo aquilo, mas nada melhor do que ouvi-la falar. Ela era uma espécie de consciência apartada dele, uma outra cabeça que lhe fazia coro nos pensamentos mais perturbadores e controversos. 

- Ainda assim, tenho medo.

Eles permaneceram com os corpos colados, em silêncio. Às vezes, não se precisa falar. O silêncio é capaz de comunicar mais do que um discurso num palanque. 

Não se sabe quanto tempo se passou, até que ele olhasse novamente para o céu e percebesse que a lua havia se escondido.

- Vou sentir sua falta - ela disse, e ele percebeu que sua voz estava embargada. Não ousou olhar para ela e ver que seus olhos, agora, é que tinham filtros para olharem o céu.

- Vem comigo. 

- Mas você nem sabe o destino, ainda - ela sorriu aquele sorriso triste.

Ele tocou seu rosto de leve, sentindo o tremor suave daquela pele cor de lua.

- E isso importa?

Um sorriso largo. Um beijo. O abraço mais apertado de todos. Até a lua resolveu espiar o que acontecia. E, dessa vez, o céu chorou uma chuva quente.

- Não. Não importa.

http://www.aconteceempetropolis.com.br/2014/10/20/chuva-ajuda-controlar-fogo-parque-nacional-da-serra-dos-orgaos/



Por Bia de SouZa

28 de outubro de 2014

Cegueira opcional

Te enchem de pouco
Iludindo sua felicidade
Felicidade esta que ilude
Invade
Incorpora
Que acaba no final do início

Mas como uma droga
Você procura por mais
E mais
E mais um pouco
Do pouco que te dão
Restam apenas migalhas
Que fazem um único caminho
Para a perdição

Estando perdido
O foco é a luz no fim do túnel
Sem saber que no fim do túnel
A luz reflete para todos os lugares
E sem fuçar, sem olhar
O arreio colocado lhe puxa
Para aquele único lugar
Onde você sente
O vazio da felicidade
Que foi implantado
Cravejado
Imantado
Na cabeça de quem não pensa
De quem não procura
E se cura
Sem saber
Que essa cura
Não não cura

Feridas cicatrizadas não desmancham dores
A dor é a que fica.

27 de outubro de 2014

Bianca Blanca

Tão alva quanto a luz que deus emana,
Tão leve quanto a brisa qu'este sopra
E tão sonora quanto o qu'este canta

És tu, minha querida Bianca Blanca
Que faz do sol uma mísera estrela
E desta terra vasta u'a cama branda.

Se faço-lhe estes versos com brandura
É para eu emanar todo encanto
Que causa-me e me ilumia a tua brancura.

A.P. - 27,10,14

20 de outubro de 2014

Quando A Foto Revela O Fotógrafo

Viver é uma arte virgem
É barro nas mãos do acaso
É tinta, tela e pincel
São rabiscos, rasuras
São rascunhos
Borracha, trabalho
Suor

O tempo é música
É filme
Um suspense
Uma ficção
É romantizado
E corta a ilusão do artista

Artista que se faz vivo
Só ele pode o fazer
Poetizando seu próprio filme
Enquanto o mesmo durar

Logo após a última cena
No capítulo final
O poeta se vai descansar
E não há espaço para novos rabiscos

Mas a arte se reinventa:
Novos olhos encontram as linhas
E a obra revive o artista

Poesia agora é poeta
Novas mãos entram em cena
Novas folhas se borram de grafite
E novos rabiscos se enchem de vida


7 de outubro de 2014

Amor ao tesão

Se o amor vem de um desejo
Do fundo do coração,
Como pode, quando ama,
Por um outro ter tesão?

Não podemos esquecer
Que sem este coração
Não teríamos a ferver
Nosso sangue por tesão.

A.P. - 7,10,14

5 de outubro de 2014

A flor do amor

Quando uma rosa é vermelha
Nao é rosa a tua cor,
Assim como certo eu sei
Não ser meu o teu amor.

Mas prometo que se um dia
Pertencer-me o teu amor
Pintarei em seu lindo rosto
Desta rosa a tua cor!

A.P - 5,10,14

27 de setembro de 2014

Temporal





Na noite escura enxergo o silêncio
Que diz muito num tom de ironia
Lugares vazios
Cheios de gente
Corpos perfeitos com alma ferida

Uma ferida maior que o corte
Uma soma maior que as partes
Corações partidos, mentes perdidas
E vidas se perdem
Perdem-se vidas
Às vezes a morte vem sorridente
E um sorriso faz valer a vida

Um sorriso esconde mil lágrimas
Num choro com várias máscaras
Em cada lágrima um doce amargo
E o que era doce virou pó
Do pó renascem velhas histórias
E cada história tem várias verdades

Cada versão é uma mentira pronta
E toda mentira tem seu por que
Porque se tudo deve fazer sentido
Qual o sentido em sentir-se culpado
Como se sentem os mentirosos
Cara a cara com a verdade
Com o medo estampado na cara?

Quantos medos nós podemos ter
Quantos deles queremos perder
Quantas perdas são necessárias
Pra se descobrir que nesse jogo
Nunca há ganhadores?
Como em jogos de azar
Como no jogo do amor
A esperança paira no ar
Sobre um castelo de ilusões

Nuvens passam e se derramam
Sobre frágeis castelos de areia
Tudo passa e se desfaz
Destrói-se e se renova
Como o ciclo das águas
Da vida e da beleza
Como no fim do romance
Nunca se pratica o para sempre
Felizes para sempre
Até o próximo capítulo

Quase sempre
Nunca sei
O que sabia minutos atrás
Horas e noites se vão
E cá estou perdendo tempo
Tempo rei, gigante passageiro
Passa tão rápido, insensível
Como se fosse uma mentira
Como a sombra de um fantasma

Passado que era futuro
Presente que nunca se passa
E se tem mesmo passado
O que seria o agora?
Seria isso tudo
Seríamos matéria no vazio
Talvez um vazio no espaço
Afinal
Existem palavras
Que descrevem o nada?

Para Cima, Para Sempre





Depende de como se olha
Do ângulo e do grau
Depende do observador
Do astro e do astral

Depende de quando, da era
Do ar e das nuvens
Depende do por que
E das perguntas que se quer responder

Depende da gravidade
Da urgência e da paz
Depende da luz, do azul
Das estrelas e dos ventos

Depende da direção
Da posição do Sol e da Lua
E dos seus romances e brigas
De quando ela está cheia de si
E se derrama
Por raios de um amor distante

Dependente de tudo
E guardião dos segredos do nada
Esse céu inconstante e infinito
É sempre o mesmo
Em várias versões

Então faz-nos infinitos
Faz-nos limitados
Faz-nos relativos
Relativamente comuns
E faz surgir um vácuo
Transbordando perguntas
Ocultando respostas

E confiando no destino
Mas confinados ao acaso
Que todos façam suas apostas
Pois os astros deram as costas