22 de outubro de 2013

Ymago

Os mortos,
agora,
já não mortos,
espreitam.
Os caminhantes, fragmentados
pareciam fantasmas.

por Thiago Augusto Machado

Soneto Desejoso

"Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino..."
A uma mulher - Vinícius de Moraes

Desejo-lhe assim, como uma alma
Que quer somente um corpo p'ra habitar
E nele o bom pecado desfrutar
(Aquele que acalenta e nos dá calma).

Sentir cada centímetro da palma
De vossas mãos queimando a me tocar,
Os dedos, delicados de se olhar,
Fazendo-me um piano, onde se espalma.

Desejo-lhe, e é por lhe desejar
Que venho lhe escrever só e moribundo
Os versos de um sonho infecundo.

Desejo-lhe, não posso mais negar,
E por lhe desejar assim, profundo,
Desejo-lhe como quem quer o mundo!

21,10,13

18 de outubro de 2013

Do amor de Baco por Psiquê

Psiquê e Eros, de Jacques-Louis David

Fui ao psicólogo
e ele, sorrindo, disse-me
que maneira mais fácil de se curar
de um vício incurável era
simplesmente arrumar outro vício;

precisava urgentemente
parar de beber, fumar e usar
outros alucinógenos e calmantes.


Foi então que eu conheci você,
e, por você, parei de beber e me drogar,
pois por você, minha maior droga,
eu fui me apaixonar!

13,10,13 

16 de outubro de 2013

Monday

     Inescrupuloso. Ininterrupto. Seriam palavras que resumiriam meu sentimento desconsolado de dormir às cinco e meia e ter que acordar meia hora depois. Se bem que, se tivesse algo para fazer e repetir, com certeza seria o que eu faria.
     
     Eram dez horas de uma noite fria e tenebrosa, que mais tarde, como um camaleão sob atitude suspeita, transformar-se-ia a ponto de perder sua essência e se dissipar, se perder e misturar-se a outras doravante percebidas.  Tudo era pacato e chato. Outros humanos se divertindo, digladiando entre si por um mísero pedaço de um farto banquete, dançando ao som de uma musica indesejável e inconveniente,  tudo normal.  Mas algo me fez sair desse estado de introspecção e fuga dessa débil realidade. Um ser de lábios cálidos, olhar gélido e pele morna. Merda. Aquela imagem chegou de supetão deixando a mim, um ser tão frio e pessimista, com sensações desconcertantes.
     A festa parou. Para mim é claro. Espere, eu já a havia visto em um sonho dois ou três dias atrás, e a mesma sensação. Dei um passo à frente, mas voltei. Recuei como um coelho sob o ataque funesto de um lobo dos Alpes. Mas, por quê? As mulheres eram tão previsíveis para mim, seus movimentos eu previa, seus pensamentos eu lia e seus lábios eu beijava, mas de forma apática e sem emoção. Sim, emoções eram proibidas.
    Mas, como a seta disparada por um exímio arqueiro, ela deu um passo em minha direção e disse, de forma bucólica e ambígua.
   - Oi.
  Bom, eu respondi com um ar letárgico.  Seguiu-se então um diálogo qualquer que não me convém falar-vos por agora.
Quando dei por mim estava falando sozinho, com um copo de whisky e uma imagem inculta no fundo do copo. Enquanto isso ela estava no outro lado do pequeno salão conversando com algumas pessoas.
   Mas espere, em um momento abrupto ela se desprende daquele grupo, daquelas pessoas, e corre em direção a um dos quartos da casa. Ela passa por mim e o reluzir de uma lágrima maculando seu rosto limpo, deixando um rastro desastroso e a sulcar sua gélida face,  incomoda-me os olhos. Em um instante sutil e maquinal, como se não houvesse outra opção eu a sigo, e ao entrar no quarto, a única imagem que me recordo é a de seu corpo tristemente mórbido sobre a cama.
    Sentei-me ao seu lado. Perguntei-lhe o que havia ocorrido. Ela, por sua vez, com uma voz trêmula, cujas sílabas eram interrompidas e dificultosas pelo correr das lágrimas, respondeu apenas com um apertar, aflito, dos olhos e da minha mão. Sinceramente, talvez o motivo de fato não me importasse muito. Acheguei-me ao seu lado e ela colocou sua cabeça em meu colo. Senti o deleitar de seus cabelos apátridas descansando sobre a superfície trêmula das minhas pernas. Concupiscentemente  deitei ao seu lado, e vendo a escuridão de sua cabeleira voraz a me aliciar fui sorvido para uma dimensão desconhecida, restando apenas à sensação, cumprir seu dever ingrato de desvendar o que era o objeto incômodo preso ao meu punho, que desconcertava nossas atadas mãos.
Como um desalmado que acaba de voltar do hades, acordei procurando o precioso ar que eu tanto precisava, já irritado - ou totalmente amedrontado ainda não sei – olhei para o despertador que estava a me aborrecer no bolso do alheio parente ao meu lado. Eram seis horas de uma segunda-feira pacata e rotineira.  Olhei para o lado direito, com certo desconcerto no pescoço, e contemplei um grupo de pessoas eufóricas olhando em minha direção e com gritos ensurdecedores diziam que alguém havia acordado. Cinco anos em coma? Sim caros leitores, eram seis horas da manhã de uma segunda-feira sem escrúpulos.

Por: Victor Vinícius A. Mendes

9 de outubro de 2013

As coisas bonitas da vida

 
 
Tenho vontade de escrever sobre coisas bonitas. Sobre as cores fortes das flores nos jardins da praça, sobre o arco-íris em dias de chuva, sobre a relva molhada pelo orvalho da manhã.
 
Tenho vontade de escrever sobre poemas rimados, cantados e românticos, repletos dos mais vastos sentimentos, que encantam a alma com um simples verso.

Tenho vontade de escrever sobre as pessoas, sobre os sorrisos ao ouvirem uma piada boba, sobre os abraços apertados quando matam a saudade, e sobre as borboletas no estômago ao encontrarem a pessoa amada.

Tenho vontade de escrever sobre o sol, sua luz e seu calor, que enchem a Terra de vida e fazem brotar vida da terra. Escrever sobre os dias negros, sem luz, daqueles bem frios, que nos deixam com aquela preguicinha gostosa, boa para assistir a um filminho com pipoca e guaraná.
 
cores

Tenho vontade de escrever com lápis de cor, cada palavra num tom diferente, criando uma mistura visual tão grande a ponto de ficarmos tontos. Riscar as paredes com tinta, pincelar rostos com maquiagem, tornando a vida uma verdadeira brincadeira de criança.

Tenho vontade de escrever sobre as coisas belas existentes.

 
 

 

Mas não escrevo. Porque sei que não sou capaz de captar a beleza e eternizá-la em meras palavras bonitas.


Por Bia de SouZa

Imagens:


8 de outubro de 2013

Fado Elegíaco

Irmãos Hypnos (sono) e Tânatos (morte)
John William Waterhouse, 1874

Sinto a morte
como tentadora irmã,
onde eu possa em teus ombros repousar;

Vejo gélidas
tuas mãos com dedos finos
os meus cabelos ralos afagar;

O teu canto
embalando o meu sono
que chega levemente e sem cessar;

No teu colo
eu me deito sem pudor,
pois sei que ali não vão me perturbar;

E ali sonho,
como quem escreve poemas
e tem somente versos a deixar!

8,10,13

Soneto oriental

"Um Oriente ao oriente do Oriente."
Opiário - Fernando Pessoa

Os mesmos de uma gueixa, acentuados
Nas pontas longas como dois floretes,
E ornado por vermelhos ramalhetes,
Teus olhos deixam os meus orientados.

O céu, p'ra onde eles são levados,
É um forte escarlate em gradientes
Tão belos quanto os céus nos horizontes
Que cercam o oriente, ensolarados.

Teu rosto, com os colos enevados,
Parecem finas louças sem banquetes,
Tão puras quanto o céu e seus tapetes.

Assim meus olhos seguem encantados,
Observando-lhe sempre calados,
Como se lessem clássicos chineses!

07,10,13

6 de outubro de 2013

Sonhar Em Voar Sufoca Seus Sonhos


Não espere que eu vá chorar
Nem que eu perca a cabeça
Pois no meu eterno desespero
O fim é apenas uma solução

Não espere que eu me transforme
Nem que eu me despeça ao partir
Pois cada vez que eu me mudo
É o início de uma nova despedida

Não espere que eu seja mais
Nem que eu voe até o sol
Pois cada vez que me movo
Dou um mergulho ao centro da Terra

Não espere que eu tenha medo
Nem que eu me guarde em luto
Pois o inferno é uma realidade
E o paraíso uma aposta às cegas

Não espere que eu vá morrer
Nem que eu me inquiete com isso
Pois de todos os meus anseios
Esta é a única certeza

Não espere que eu te afirme
Nem que eu procure o culpado
Pois se tal culpa existe mesmo
Minha parcela se equivale a sua

Não espere, não se importe
Nem se apegue ou me siga
Pois quanto mais profundo o mergulho
Mais se alarga o vácuo sobre meus pés

5 de outubro de 2013

Canção da Liberdade



    Perdidos na infinidade do espaço eram apenas mais dois. Vagando pelo vácuo entre as frias e solitárias estrelas, estavam bem distantes entre si, e ao mesmo tempo muito próximos. Sonhavam com o novo Universo, onde as leis naturais transcendessem a simples gravidade. Queriam ir além, e sonhar também. Não queriam. Não queriam orbitar estrela alguma, e sem um Sol de amor paternal, se desligavam de seus sistemas.
   
    Ansiavam algo mais que a velocidade da luz, além da escuridão, sem destino, e certa vez conseguiram. Quase ao mesmo tempo, os dois frearam-se de repente, pegaram outra direção qualquer, a direção que queriam, sem freios ou faróis. Queriam aquilo tudo, sem querer muita coisa, e quase sem querer se encontraram perdidos, já quase sem fôlego. Um alicerce, um firmamento. Um era jovem e belo, um planeta ofuscado, sufocado por grandes planetas gasosos, sem vida, e com todos aqueles anéis que pareciam prendê-los em suas tristes e vazias existências. Era um planeta orgânico, fluido, radiante. Transpirava o suor da vida, e por onde passava, deixava um leve aroma de solidão, que de tão suave, era quase imperceptível. Seu interior vulcânico era instável, mas ele aprendeu a controlar esse problema de forma ímpar. Sua crosta era rochosa, mas nunca pareciam ser as mesmas rochas, numa constante metamorfose. Tinha um brilho incomparável. O outro, um planeta recém-nascido em corpo de planeta com milhões de anos. Cheio de vida, ansiava a morte de tempos em tempos, por acreditar que existir ou não existir eram faces da mesma moeda. Acreditava que nada, em momento algum, fazia sentido, e que nem precisava fazer, nem mesmo ele próprio. Tinha uma obscuridade travestida e intangível. De certo modo, se completavam. Pareciam saber disso desde que se encontraram, e pareciam saber o porquê. Dois ímãs de equivalente poder. Mentes instáveis e magnéticas. Suas engrenagens não seguiam nenhum padrão de funcionamento e seus motores não clamavam por combustível. Não estavam nem aí para quem deu  sopro inicial, se é que existiu o sopro, e se é que existiu alguém. Conversavam sobre isso. Compartilhavam dos mesmos devaneios. Perguntavam um ao outro aquelas coisas banais que, por fim, faziam toda a diferença. Amavam-se. Eram irmãos sem porquê. Perguntavam-se o porquê, mas não queriam nem saber. Admiravam o acaso. Na verdade, indagavam e murmuravam sobre tudo sem qualquer pretensão de saber. Necessitavam acentuar de modo curvo os finais de cada frase, apenas. Protegiam um ao outro em meio a tantas tempestades de meteoros da sua quase estrada no meio do nada, que sabiam ser árduas, porém passageiras.
   
    Eram assim, sem começo ou fim, e assim seguiam, lado a lado, no sentido contrário ao centro do universo, cada vez mais distantes do suposto início, cada vez mais perto do fim. Intensamente, mas sem aceleração, vagavam pelo vazio cada vez mais frio, sem preocupações ou delírios nostálgicos. Talvez ainda estejam por aí no vazio, cheios de si, ou em algum universo sombrio. Talvez tenham encontrado o fim dos tempos em uma despedida. Talvez tenham encontrado o inferno sagrado, um lar. Quem sabe ainda estejam por aí, sem querer estar ou ir, jogando cartas e sorrindo numa cela qualquer feita por leis naturais, numa prisão de sonhos, num quase lugar, onde ecos eternos de desespero melodiam numa canção da qual se ouve muito. Uma canção nunca cantada.

4 de outubro de 2013

Maré

Un bardo naufragado, 1883, Carlos Haes

Minha memória
é um mar raso mas extenso
onde aves raramente vêm pescar,

as que vieram,
por não encontrarem peixes,
pousaram em um barco a navegar;

sendo tão rasa,
minha mente sem corais
deixou o velho barco naufragar,

então as aves
juntas levantaram vôo
assim que o ferro poes-se a enferrujar!

Minha história
é um vaso com incensos
onde a água nem boninas fez murchar!

20,09,13