5 de outubro de 2013

Canção da Liberdade



    Perdidos na infinidade do espaço eram apenas mais dois. Vagando pelo vácuo entre as frias e solitárias estrelas, estavam bem distantes entre si, e ao mesmo tempo muito próximos. Sonhavam com o novo Universo, onde as leis naturais transcendessem a simples gravidade. Queriam ir além, e sonhar também. Não queriam. Não queriam orbitar estrela alguma, e sem um Sol de amor paternal, se desligavam de seus sistemas.
   
    Ansiavam algo mais que a velocidade da luz, além da escuridão, sem destino, e certa vez conseguiram. Quase ao mesmo tempo, os dois frearam-se de repente, pegaram outra direção qualquer, a direção que queriam, sem freios ou faróis. Queriam aquilo tudo, sem querer muita coisa, e quase sem querer se encontraram perdidos, já quase sem fôlego. Um alicerce, um firmamento. Um era jovem e belo, um planeta ofuscado, sufocado por grandes planetas gasosos, sem vida, e com todos aqueles anéis que pareciam prendê-los em suas tristes e vazias existências. Era um planeta orgânico, fluido, radiante. Transpirava o suor da vida, e por onde passava, deixava um leve aroma de solidão, que de tão suave, era quase imperceptível. Seu interior vulcânico era instável, mas ele aprendeu a controlar esse problema de forma ímpar. Sua crosta era rochosa, mas nunca pareciam ser as mesmas rochas, numa constante metamorfose. Tinha um brilho incomparável. O outro, um planeta recém-nascido em corpo de planeta com milhões de anos. Cheio de vida, ansiava a morte de tempos em tempos, por acreditar que existir ou não existir eram faces da mesma moeda. Acreditava que nada, em momento algum, fazia sentido, e que nem precisava fazer, nem mesmo ele próprio. Tinha uma obscuridade travestida e intangível. De certo modo, se completavam. Pareciam saber disso desde que se encontraram, e pareciam saber o porquê. Dois ímãs de equivalente poder. Mentes instáveis e magnéticas. Suas engrenagens não seguiam nenhum padrão de funcionamento e seus motores não clamavam por combustível. Não estavam nem aí para quem deu  sopro inicial, se é que existiu o sopro, e se é que existiu alguém. Conversavam sobre isso. Compartilhavam dos mesmos devaneios. Perguntavam um ao outro aquelas coisas banais que, por fim, faziam toda a diferença. Amavam-se. Eram irmãos sem porquê. Perguntavam-se o porquê, mas não queriam nem saber. Admiravam o acaso. Na verdade, indagavam e murmuravam sobre tudo sem qualquer pretensão de saber. Necessitavam acentuar de modo curvo os finais de cada frase, apenas. Protegiam um ao outro em meio a tantas tempestades de meteoros da sua quase estrada no meio do nada, que sabiam ser árduas, porém passageiras.
   
    Eram assim, sem começo ou fim, e assim seguiam, lado a lado, no sentido contrário ao centro do universo, cada vez mais distantes do suposto início, cada vez mais perto do fim. Intensamente, mas sem aceleração, vagavam pelo vazio cada vez mais frio, sem preocupações ou delírios nostálgicos. Talvez ainda estejam por aí no vazio, cheios de si, ou em algum universo sombrio. Talvez tenham encontrado o fim dos tempos em uma despedida. Talvez tenham encontrado o inferno sagrado, um lar. Quem sabe ainda estejam por aí, sem querer estar ou ir, jogando cartas e sorrindo numa cela qualquer feita por leis naturais, numa prisão de sonhos, num quase lugar, onde ecos eternos de desespero melodiam numa canção da qual se ouve muito. Uma canção nunca cantada.

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