29 de julho de 2015

Àqueles dias

Por Jefferson Veloso






     Tem dias que a gente pensa que não sabe amar. Aqueles dias em que um encontro no cinema, assistindo ao primeiro filme que veem na sala de cartazes, fazendo a caminhada toda para que, de pouco a pouco os lábios se encontrem, fazem parte apenas da imaginação.
     
     Tem também os dias em que você foge do olhar do outro, como medo da violência ou da rejeição da sua verdade mais sua. Quem sabe, o olhar entregue mais verdades que a própria fala. 

    Os dias de dor são os piores. A dor maldita da perda de algo ou alguém. As dores físicas. Mentais. A dor do ego. Dor ao ter machucado alguém. Dores que ficam. Dores que vão. Cada uma fazendo sua cicatriz.
     Aí você sente medo. Medo mesmo. Mas um medo moderado.

     Pois, por mais que existam os dias em que não tenhamos entendido o significado do não-amor, do olhar e da dor, no final, ninguém quer deixar de estar vivo. E já que sobreviveu até agora, fica de boa e vai viver. E tudo ainda pode acontecer. Ou repetir.


     Pode ser que você saiba aprenda algo. Até sentir algo(mais).



25 de julho de 2015

Mais um Seu José

Por Jefferson Veloso (e por todos que fazem parte dessa caminhada)


Era só mais um Seu Zé
Numa cidade grande qualquer
Caminhando com um Seu Raimundo
Até onde dá pra ir a pé

Mais um bueiro de Ipês floridos
Neste paraíso rodeado em esgotos
Pulmões de ar que são inflados
Fotossíntese do capiroto

Procurando deus a cada esquina
Vai Seu Zé nessa maldita sina
Fazer de alguém, uma luz digna
Na escuridão densa em que ali surgia

Com as mesmas conversas de sempre
Nesses encontros de Zé e Raimundo
Onde conhecem tanta gente
Que  fazem dar graças por estar no mundo

E por aí vai.
Pior que vai.


22 de julho de 2015

Um Dos Três

          Numa quieta tarde de domingo, na primavera de 66 em Santos, debaixo de um Sol ofuscante, dona Clara, baiana sabida, mãe solteira e batalhadora, trajando um longo vestido de neve que dançava por si só, pela primeira vez levava seus filhotes à praia.
          
          Eufóricos, os garotos mal podiam se conter em imaginar quão maravilhosas seriam aquelas imagens vistas sem o filtro ocular de seus amigos mais soltos e seus vizinhos mais velhos. Queriam descobrir o que de tão espetacular havia no litoral que trouxesse toda aquela beleza da qual sempre ouviam falar mas que nunca puderam examinar, até então.
       
         Com certa dificuldade, dona Clara conseguiu conter os ânimos dos três garotos e, enfim, desceram do ônibus na marginal paralela à praia. Ao pisar na areia quente, os garotos franziam a testa por causa da claridade do reflexo do Sol, que observava de cima. Sua mãe, no entanto, não se incomodou com o ambiente, pois trajava vestimenta confortavelmente envolvente da cabeça aos pés.

          De imediato os garotos começaram a explorar o lugar, cada um pra um canto: o mais novo, logo de cara, jogou de lado as sandálias gastas e a camisa azul e se atirou de cabeça na água. A alegria com que brincava com as ondas puxava de leve os cantos da boca de sua mãe, que de longe observava atenta. O caçula era apaixonado com a profundidade do mar e, quando olhava pra cima, pensava que as estrelas que via só à noite estavam, na verdade, submersas naquele mar azul enquanto o Sol, tranquilo, se banhava. Um pouco mais velho, seu irmão do meio já estava jogado na areia, e sua camisa que antes era verde já estava camuflada com as corres da terra. Este, por sua vez, era um admirador de tudo aquilo que era vivo. Queria brincar com todos os cães que encontrava na praia, observava atento ao vento que impulsionava os pássaros e os galhos de coqueiros ali à beira. Queria entender o domínio do verde sobre os pelos da Terra. Naquele momento, para ele, foi como se não houvessem outras pessoas ali em volta. De longe e preocupada, sua mãe esboçava um grito que arranhava a garganta e enchia os pulmões, mas preferiu observar mais um pouco e seus olhos molhados brilharam ainda mais forte. Enquanto isso, o primogênito tirou sua camisa vermelha e caiu no mar. Brincou, nadou e, ao se cansar, estendeu sua camisa sobre a areia e se sentou de costas pro mundo. Sentiu a brisa na cara e observou o mar, o céu e a estreita linha que os separa. Viu seus irmãos sorrindo como nunca. Observou o Sol que gargalhava raios ondulantes, virou-se de costas ao mar e viu de novo o Sol refletindo sobre os brancos dentes de sua mãe, que botava aquele rosto sofrido pra dançar num raro sorriso.

          Depois de algumas horas de diversão, era hora de voltar pra casa. Juntos novamente, os quatro pegaram a lotação rumo à favela. Mais laranja e relaxado, o Sol aproveitava seus últimos momentos em seu banho celestial pra continuar a fotografar a família em seu caminho de volta. Pela janela do ônibus entravam poucos e pesados raios, que não tinham chances contra a cortina de dona Clara. Com uma lente turva e olhar cansado, o sol não conseguiu mais observar se os irmãos ali brigavam ou se abraçavam, nem mesmo se via um, dois ou três moleques. Era sinal de que precisava dormir. Decidiu tentar descobrir no dia seguinte.



O Grilo Que Não Louva Ao Sol

          O chorar solitário do grilo noturno faz evaporar a certeza de que a vida é uma brisa fria, um rabisco curto.
          Qualquer vento mais forte e a harmonia dos movimentos da árvore vira um caos, dando fim às vidas quentes das folhas verde-limão. Um pouco mais de força na mão e a ponta do lápis não aguenta a pressão, apagando de vez o futuro rabisco, fazendo-o ponto sem fim. Um final estático.
          O ar parado beira ao imperceptível. É lagarta que não tece casulo; É lápis sem ponta; É o boêmio solitário a clamar seu passado frustrante; É grilo verde-limão que cai em prantos alcoólicos sempre que a escuridão da noite rouba-lhe a cor.


18 de julho de 2015

Flores e pedras

Por Jéfferson Veloso


A gente escreve tanta coisa
E vê que todas essas coisas
São escritos de uma dança só
A gente caminha tão longe
E da caminhada se tem o mesmo pó

Não nos perdemos com o novo
Deixando pra trás o velho
Pois o velho que já foi novo
É novo que ficará velho

São flores que enfeitam o ambiente
Dessa imagem pesada de pedras
São duas coisas diferentes
São flores
Entre pedras

Ver Ipês assim, florescendo
Nos cantos de qualquer floresta
Nasce vida em qualquer  festa
Na juventude que vai se perdendo

O professor que aprende
É o aluno que ensina
A luz presente do Sol poente
Traz consigo a Lua
E a Ilumina

PS.: São palavras jogadas...

Por Jéfferson Veloso





Não há Dionísio sem Apolo
Nem o rico sem o pobre
Só tem o ying se tiver o yang
Pois onde tem o bem percorre o mal
Mal que faz bem
Mal que faz mal/u
E vice-versa

E pensar que sou  extraterrestre
Nessa terra que é só mais um planeta
E ver que o céu que te persegue
É o mesmo céu de outro cometa

A gente inventa tanto caminho
E caminha ainda pro mesmo encontro
Encontro que nos faz amigos
Que caminham
Cada um pro seu lado
Sem voltar pro mesmo canto
Que sempre é o mesmo
E que se alinham

Somos pessoas olhando pro Sol
Somos planetas olhando pro espaço
Por que o céu é um limite em prol
De quem caminha com o pé descalço

É bom saber que sou ser curioso
E ruim também, suponho
Pois da mesma água que sacia minha sede
Brota a água que me tira o ar
Enfim
Vou caminhar
Pra poder descansar

14 de julho de 2015

Gravidade (Aperto)

          Dizem que estamos a seis apertos de mão de qualquer pessoa no planeta. Qualquer Mohammad no Oriente Médio, qualquer Silva no Brasil, qualquer maluco americano, qualquer músico britânico, qualquer irmão africano... Não importa quem seja, são só seis apertos. Seis pouquíssimos apertos.
          Um aperto de mão é nada mais que uma saudação, um cumprimento simples, rápido, geralmente acompanhado de uma ou duas palavras artificiais, dois olhares tímidos e comportados. Talvez meio sorrisos. É seco e falta calor. Se comparado com um abraço, nem deveria existir.
          Falando neste, o mesmo dispensa apresentações: involuntários, os corpos dialogam com mensagens de calor e conforto. As quatro mãos tem uma superfície, um alicerce, e de repente se tornam pilares. Os corações fazem música. Dois olhares misteriosos que não se comunicam e por um instante se perdem em qualquer ponto. Os sorrisos são largos e saltitantes. Então se tem um cumprimento. Só depois, na sua devida hora e lugar, entram em campo as palavras.
          Digamos então que estamos a apenas seis abraços de qualquer ser humano. São pouquíssimos abraços. Seria um exercício no mínimo curioso poder abraçar qualquer pessoa no mundo. Mas fato é que, mais do que qualquer pessoa nesse minúsculo planeta abraçado por toda essa infinidade de estrelas por todos os lados, sou um cara de sorte. Se eu tivesse seis dedos na mão, não sei quantas vezes eu teria que abrir e fechar até que eu pudesse contar quantos abraços sinceros tenho trocado nos últimos tempos. E não é com qualquer pessoa. São com as melhores pessoas que alguém poderia conhecer. Aquelas com os melhores defeitos, seus misteriosos efeitos em nossos melhores momentos.


2 de julho de 2015

O dia em que me tornei Sarah



Encontrava-me a ler quando, de repente, os olhos fechei. Entrei naquele momento de transe estranho, sem muito conhecimento de causa, não sabendo ao certo se dormia ou descansava.

Senti meu corpo flutuar sem, contudo, sair da cadeira. Vi-me levada a uma realidade que não era a minha, mas fazia parte de um passado de moldura presente.

Amedrontei-me.

Olhei para mim e meu corpo estava só, desprovido de cobertura e repleto de uma luz branca que em minha pele se refletia. Rostos sem fisionomia me rondavam num giro rápido e contínuo, murmurando palavras das quais reconheci apenas meu sobrenome.

Asfixiei-me no ar denso, repleto de um cheiro pútrido de devassidão e isolamento. Meu corpo ardeu no gelo ao qual meu coração se aderia lenta e gradativamente.

O sol aqueceu minha nuca e eu, novamente, sem me perceber de fato, os olhos abri. As palavras se refizeram à minha frente, dando forma a um texto que antes era meramente narrativo.

Ali, lia-o como quem vive a realidade de quem morreu sem fim. Não mais fechei os olhos.

Chorei.