27 de setembro de 2014

Temporal





Na noite escura enxergo o silêncio
Que diz muito num tom de ironia
Lugares vazios
Cheios de gente
Corpos perfeitos com alma ferida

Uma ferida maior que o corte
Uma soma maior que as partes
Corações partidos, mentes perdidas
E vidas se perdem
Perdem-se vidas
Às vezes a morte vem sorridente
E um sorriso faz valer a vida

Um sorriso esconde mil lágrimas
Num choro com várias máscaras
Em cada lágrima um doce amargo
E o que era doce virou pó
Do pó renascem velhas histórias
E cada história tem várias verdades

Cada versão é uma mentira pronta
E toda mentira tem seu por que
Porque se tudo deve fazer sentido
Qual o sentido em sentir-se culpado
Como se sentem os mentirosos
Cara a cara com a verdade
Com o medo estampado na cara?

Quantos medos nós podemos ter
Quantos deles queremos perder
Quantas perdas são necessárias
Pra se descobrir que nesse jogo
Nunca há ganhadores?
Como em jogos de azar
Como no jogo do amor
A esperança paira no ar
Sobre um castelo de ilusões

Nuvens passam e se derramam
Sobre frágeis castelos de areia
Tudo passa e se desfaz
Destrói-se e se renova
Como o ciclo das águas
Da vida e da beleza
Como no fim do romance
Nunca se pratica o para sempre
Felizes para sempre
Até o próximo capítulo

Quase sempre
Nunca sei
O que sabia minutos atrás
Horas e noites se vão
E cá estou perdendo tempo
Tempo rei, gigante passageiro
Passa tão rápido, insensível
Como se fosse uma mentira
Como a sombra de um fantasma

Passado que era futuro
Presente que nunca se passa
E se tem mesmo passado
O que seria o agora?
Seria isso tudo
Seríamos matéria no vazio
Talvez um vazio no espaço
Afinal
Existem palavras
Que descrevem o nada?

Para Cima, Para Sempre





Depende de como se olha
Do ângulo e do grau
Depende do observador
Do astro e do astral

Depende de quando, da era
Do ar e das nuvens
Depende do por que
E das perguntas que se quer responder

Depende da gravidade
Da urgência e da paz
Depende da luz, do azul
Das estrelas e dos ventos

Depende da direção
Da posição do Sol e da Lua
E dos seus romances e brigas
De quando ela está cheia de si
E se derrama
Por raios de um amor distante

Dependente de tudo
E guardião dos segredos do nada
Esse céu inconstante e infinito
É sempre o mesmo
Em várias versões

Então faz-nos infinitos
Faz-nos limitados
Faz-nos relativos
Relativamente comuns
E faz surgir um vácuo
Transbordando perguntas
Ocultando respostas

E confiando no destino
Mas confinados ao acaso
Que todos façam suas apostas
Pois os astros deram as costas

Expectadores



Como diria o ditado, o último suspiro é sempre o da esperança. Mas quem disse que ditados não mentem? O último suspiro é também o da redenção, podendo ser uma negação ou uma aceitação, e requer tamanho esforço dos pulmões, os quais jamais voltarão a festejar se embriagando de oxigênio, que suspendem a energia da festa e todos se vão dormir – para sempre. Um suspiro que pode ser acompanhado por um olhar fixo ao horizonte, ao nada ou até mesmo um olhar delirante que, por minúsculos lapsos temporais, fotografa desordenada e disparadamente tudo o que virá a ser o álbum mais revelador de todos os tempos daquela vida perdida, numa tentativa desesperada de levar pra onde quer que seja um pedaço desse lugar que parecia infinito.

Já não resta mais tempo pra uma cerveja ao pôr do Sol, nem para uma conversa boba pela qual não se tem muito interesse, mas há tempo o suficiente para um último suspiro do cérebro, o dono da festa. Ainda há tempo para uma última pergunta sem resposta: o que se esperava da vida? A cada momento de euforia ou de profunda desilusão apareciam planos fantasiosos e planos de fuga, respectivamente, e poucas vezes algum plano decolou, não se sabe se por azar ou sorte. Em ambos os casos era produzida uma estranha matéria negra que entupia as veias de maneira gradativa. Uma mistura de decepção e desilusão chamada frustração. Uma sensação direta e cortante, tal qual um tiro à queima roupa que extingue a vida antes mesmo que se perceba, antes que se pense em algo digno de final de filme hollywoodiano.

A esperança que move um ato de compaixão quase sempre é acompanhada de um pote de ingratidão como sobremesa. Assim também é com o dito amor, com a amizade e outros fortes e subjugados substantivos que expressam fortes laços entre duas ou mais pessoas. Até mesmo no âmbito individual criam-se demasiadas expectativas em torno de si mesmo, onde desde muito jovens as pessoas se fantasiam como sendo o centro do universo, na esperança que o mesmo gravite em torno do massivo ego. Fugir de ilusões próprias ou criadas por terceiros pode ser um exercício um tanto quanto desconfortável, e então entram em cena os atores que vendem a imagem fantasiosa que todos querem comprar: entre deuses e livros de autoajuda existe um universo infindável de fantasias em liquidação.

          Espaços vazios tendem a se preencher com qualquer coisa que tenha massa, qualquer coisa que exerça gravidade. Isso explica a curvatura do espaço, explica o caos do universo, explica a dependência de ter sempre alguém por perto e até mesmo a relação entre o recém-nascido e a mãe. Além disso, explica também o fato de não se aprender o caminho mesmo após mil tentativas frustradas. Espera-se demais da vida. Espera-se demais das pessoas. Esperando um mundo melhor, com pessoas melhores e esperando melhorar, mesmo sem sair do lugar, sem quebrar ilusões, acabamos por aceitar assistir de camarote a este show de horrores da vida real como estáticos espectadores e, apenas na esperança de que algo grandioso aconteça, também somos meros expectadores.


A Viagem



O coração se agita querendo dançar
A garganta se queima esperando gritar
O suor se aquece ansiando escorrer
E eu não desejo mais morrer

Pensamentos pedem tinta e papel
As palavras pedem coragem
Enquanto os olhos fitam o céu
E o corpo pede viagem

Os pés já não tocam o chão
Os braços abertos como asas
O nariz aponta qualquer direção
Qualquer ponto, uma nova casa

O pássaro de asas gigantes
Limita-se a um corpo de porcelana
Mas não existe limite pra mente
Tal qual ao infinito chama
Pouco tempo pra viver
Muita vida pra morrer


20 de setembro de 2014

Senhor



Veja só o novo mundo
Carros, asas e velocidade
Observe até que ponto
Avançou a humanidade

Veja bem as maravilhas
Torres e luzes a brilhar
O mundo não é mais uma ilha
É uma terra e um só mar

Veja a obra da civilização
Com seus templos e fortalezas
Tem navio, avião
E obras de rara beleza

Mas repare, meu senhor
O contraste desse seu show
Ele pertence ao nobre pagador
Ou ao pobre que o preparou?

Partícula Elementar De Um Universo Particular





Entediado, ao entardecer de um dia cinza, abro a porta da sala e, de repente, o vento parou. Com ele parou o pássaro, parou o carro na rodovia, parou a folha seca no meio do caminho do quieto ar de mais um outono. Ao longe, tremulante, avisto a vida. Vestida com uma roupa casual simples, de bermuda, pés descalços e mochila nas costas, de costas para mim. Ela está de passagem. De repente ela se vira pra mim e, num aceno, me chama para uma caminhada, talvez uma corrida. Um pouco de suor, desgaste físico, ela parece amar isso. Permaneço imóvel, bem como o tempo. Só então percebo: ela está indo embora, e aquele convite é também uma despedida.

Mais ao longe surgindo no horizonte a morte acelera na contramão, na direção exata dos meus olhos sonolentos. Pergunto-me se estou dormindo, se estou caindo ou se estou feliz. Ela está com um belíssimo vestido preto, cor de nada, tecido fumaça. Parece estar embriagada e feliz. Eu também estou feliz, embora não consiga mover a face para esboçar um sorriso bobo. Vejo o exato momento em que as duas se cruzam na estrada. Nenhuma reação. As duas avançam sorridentes, cada uma na sua direção. Um som metálico ecoa ao longe, e então percebo que ainda tenho pernas.

Decido que tenho que sair e, sem fechar a porta, corro na rodovia em direção a infinitas perguntas sem resposta. Acho que quero alcançar a vida, mas não sem antes dar um abraço na morte que está tão linda. Quanto mais correr, mais cedo as encontrarei. Mas o fim não é tudo, já que agora as margens e curvas da estrada parecem ser bem mais interessantes. Num espaço entre as duas avisto um grande espelho que só reflete a minha imagem. Acho que farei uma pausa. Preciso respirar. Já é noite e não consigo mais ver o caminho, mas isso só faz dele mais encantador. Volto a correr e me deparo com uma das duas. Sinto um frio na barriga e aquela velha nostalgia do tempo em que encarava qualquer resposta como verdade que calava minhas perguntas. Ela está a me abraçar. Em um sussurro no ouvido, ouço um emaranhado de palavras. Não sei se consigo decifrar e também não sei qual das duas encontrei. Já não me importa mais. Não existe mais diferença ente as duas, pois são encantadoramente magnéticas. O que ouvi poderia ser um conselho ou um epitáfio, o qual dizia: “Corra pelo universo, filho, e abrace-o no fim”.