20 de setembro de 2014

Partícula Elementar De Um Universo Particular





Entediado, ao entardecer de um dia cinza, abro a porta da sala e, de repente, o vento parou. Com ele parou o pássaro, parou o carro na rodovia, parou a folha seca no meio do caminho do quieto ar de mais um outono. Ao longe, tremulante, avisto a vida. Vestida com uma roupa casual simples, de bermuda, pés descalços e mochila nas costas, de costas para mim. Ela está de passagem. De repente ela se vira pra mim e, num aceno, me chama para uma caminhada, talvez uma corrida. Um pouco de suor, desgaste físico, ela parece amar isso. Permaneço imóvel, bem como o tempo. Só então percebo: ela está indo embora, e aquele convite é também uma despedida.

Mais ao longe surgindo no horizonte a morte acelera na contramão, na direção exata dos meus olhos sonolentos. Pergunto-me se estou dormindo, se estou caindo ou se estou feliz. Ela está com um belíssimo vestido preto, cor de nada, tecido fumaça. Parece estar embriagada e feliz. Eu também estou feliz, embora não consiga mover a face para esboçar um sorriso bobo. Vejo o exato momento em que as duas se cruzam na estrada. Nenhuma reação. As duas avançam sorridentes, cada uma na sua direção. Um som metálico ecoa ao longe, e então percebo que ainda tenho pernas.

Decido que tenho que sair e, sem fechar a porta, corro na rodovia em direção a infinitas perguntas sem resposta. Acho que quero alcançar a vida, mas não sem antes dar um abraço na morte que está tão linda. Quanto mais correr, mais cedo as encontrarei. Mas o fim não é tudo, já que agora as margens e curvas da estrada parecem ser bem mais interessantes. Num espaço entre as duas avisto um grande espelho que só reflete a minha imagem. Acho que farei uma pausa. Preciso respirar. Já é noite e não consigo mais ver o caminho, mas isso só faz dele mais encantador. Volto a correr e me deparo com uma das duas. Sinto um frio na barriga e aquela velha nostalgia do tempo em que encarava qualquer resposta como verdade que calava minhas perguntas. Ela está a me abraçar. Em um sussurro no ouvido, ouço um emaranhado de palavras. Não sei se consigo decifrar e também não sei qual das duas encontrei. Já não me importa mais. Não existe mais diferença ente as duas, pois são encantadoramente magnéticas. O que ouvi poderia ser um conselho ou um epitáfio, o qual dizia: “Corra pelo universo, filho, e abrace-o no fim”.


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