Entediado, ao entardecer de um
dia cinza, abro a porta da sala e, de repente, o vento parou. Com ele parou o
pássaro, parou o carro na rodovia, parou a folha seca no meio do caminho do
quieto ar de mais um outono. Ao longe, tremulante, avisto a vida. Vestida com
uma roupa casual simples, de bermuda, pés descalços e mochila nas costas, de
costas para mim. Ela está de passagem. De repente ela se vira pra mim e, num
aceno, me chama para uma caminhada, talvez uma corrida. Um pouco de suor,
desgaste físico, ela parece amar isso. Permaneço imóvel, bem como o tempo. Só
então percebo: ela está indo embora, e aquele convite é também uma despedida.
Mais ao longe surgindo no
horizonte a morte acelera na contramão, na direção exata dos meus olhos
sonolentos. Pergunto-me se estou dormindo, se estou caindo ou se estou feliz. Ela
está com um belíssimo vestido preto, cor de nada, tecido fumaça. Parece estar
embriagada e feliz. Eu também estou feliz, embora não consiga mover a face para
esboçar um sorriso bobo. Vejo o exato momento em que as duas se cruzam na
estrada. Nenhuma reação. As duas avançam sorridentes, cada uma na sua direção.
Um som metálico ecoa ao longe, e então percebo que ainda tenho pernas.
Decido que tenho que sair e, sem
fechar a porta, corro na rodovia em direção a infinitas perguntas sem resposta.
Acho que quero alcançar a vida, mas não sem antes dar um abraço na morte que
está tão linda. Quanto mais correr, mais cedo as encontrarei. Mas o fim não é
tudo, já que agora as margens e curvas da estrada parecem ser bem mais
interessantes. Num espaço entre as duas avisto um grande espelho que só
reflete a minha imagem. Acho que farei uma pausa. Preciso respirar. Já é noite
e não consigo mais ver o caminho, mas isso só faz dele mais encantador. Volto a
correr e me deparo com uma das duas. Sinto um frio na barriga e aquela velha
nostalgia do tempo em que encarava qualquer resposta como verdade que calava
minhas perguntas. Ela está a me abraçar. Em um sussurro no ouvido, ouço um
emaranhado de palavras. Não sei se consigo decifrar e também não sei qual das duas
encontrei. Já não me importa mais. Não existe mais diferença ente as duas, pois
são encantadoramente magnéticas. O que ouvi poderia ser um conselho ou um epitáfio, o qual
dizia: “Corra pelo universo, filho, e abrace-o no fim”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário