2 de junho de 2016

Poesia da Ciência e Vice-Versa

Deus é o matemático
Com lógica distorcida
E ciência nada prática

Deus é o cientista
Com olhar infantil
E visão de artista

Deus é o humorista da tragédia
Escondido em cortinas teatrais
Sem talento pra comédia

Deus é o pintor de auto-retratos
Com tinta binária virtual
Pintando só seu quadro geral

Deus é o viajante
Um preciso navegante
Quando viver não é preciso

Deus, então, é o poeta
Vivendo e morrendo em linhas
Tão tortas quanto as minhas


Papel Picado no Teatro dos Homens

Ao sair da jaula no trabalho, o homem exausto reflete: o dia, que leva embora meu tesão, fez o homem ver o homem.

Ao passar pelos homens na obra, o homem de fora observa: o dia, que nunca acaba de fato, fez o homem ler o homem.

Ao tragar no bar da esquina, o homem delirante resmunga: o dia, que amarga a cerveja e a vida, fez o homem fantasiar o homem.

Ao deitar solitária com o homem, a mulher aos prantos suplica: ó homem, que prostitui o dia, faça o homem, seja homem, sem fingir que o homem não se vê.


...

Adimite-se que a vida é um ponto. Cada um enxerga o seu de acordo com sua percepção, que é afetada por fatores genéticos, históricos,  geográficos, psicológicos... Tal ponto, qualquer que seja, tem o mesmo tamanho se observado de fora, mas visto de dentro ele tende ao infinito. A vida individual, tal como analisada, passa a ser relativamente variável e imutável, tudo ao mesmo tempo. Uma contradição.

Admite-se que a vida é um ponto. Visto de fora da Terra, esse ponto se mostra como um caótico equilíbrio entre as espécies vivas no planeta. Porém, por outra perspectiva a vida consegue ser caracterizada como uma maneira inteligente e acelerada do universo melhorar a si mesmo. É uma questão de tentativa e erro. Se esse processo for consciente, já é uma contradição, pois inicialmente não haveria inteligência consciente sem que houvesse uma outra que a criasse. Se não for consciente, vira uma improbabilidade, já que envolve tomadas de decisões sequenciais e infinitamente improváveis que resultam em uma complexidade assustadora. Pois bem, o conceito de vida se torna uma provável improbabilidade, ou seja, uma contradição.

Adimite-se que a vida é uma contradição. Do ponto de vista lógico, as contradições não deveriam existir, pois não adimite-se que um fato pode conter mais de uma verdade. Um ponto não pode ser um e dois ao mesmo tempo. Entretanto, existe uma diferença enorme entre idealizar que contradições não deveriam existir e observar que, queira a lógica ou não, elas existem e fazem parte daquilo que nos rodeia. Admitir que a visão que temos de um ponto diz muito pouco sobre o ponto e em nada modifica o ponto em si, ou seja, querer estabelecer verdades para o mundo objetivo ajuda bastante a estabelecer conceitos, ciências e regras pra melhor entendimento da enorme complexidade que nos rodeia, mas ao nos limitarmos aos pontos de vista da lógica convencional, estaríamos fechando os olhos para o entendimento e preservação da vida nesse minúsculo e pálido ponto azul.

A percepção humana limita o ponto que chamamos de lógica apenas àquilo que conseguimos observar e/ou reproduzir. O ser humano ainda não admite que seu corpo é capaz de perceber apenas uma parcela dos fenômenos físicos que o rodeia a todo instante, e que enquanto não consegue tecnologia suficiente para ajudá-lo a transpor as limitações naturais do corpo, sua mente altamente imaginativa é a chave para propor diversos pontos de vista imaginativos que mostram os pontos em infinitos ângulos e posições, onde um único ponto poderia ser vários ou nenhum, e assim a vida poderia deixar de ser um ponto e passaria a ser uma linha bidimensional, em seguida um objeto tridimensional...



Por este ponto de vista, a vida não seria um produto do universo, mas sim seu processo mais refinado de descobrir-se, entender-se e evoluir.

Caco de Espelho

Ninguém liga. Tudo aquilo que mais te preocupa; tudo o que te tira da cama a cada manhã; as coisas para as quais você se dedica diariamente a reforçar para que não desmoronem; tudo isso que te sufoca e que, no fim, você percebe que dedicou a vida inteira em prol, acaba se mostrando sem sentido algum, e ninguém nunca deu a mínima.

O mundo está cagando pros seus caprichos. Você é um número virtual e estatístico pro seu país e pra sua cidade. Sua família sempre te achou um merda sem futuro. Seus amigos estão ocupados demais pra ouvir seus lamentos, já que tem que se preocupar em não serem merdas pras suas famílias e mulheres. Sua mulher te acha um merda maior ainda e te trocaria por qualquer merda mais cheirosa. Você é tão merda que não sente seu próprio fedor e ainda fica se remexendo na esperança que alguém te elogie. Sua vida de merda não vale nada pra ninguém além desse seu ego estúpido que clama por um reconhecimento que não vale um mísero centavo.

Em resumo, você é um fodido. Está totalmente sozinho e perdido num ambiente hostil e escuro, com medo dos predadores que urram e com mais medo ainda de abrir os olhos pra não ter que enfrentar a realidade. Um cego no tiroteio que não sabe o que é uma arma e nem quer aprender. Aprendeu a aceitar ser um merda e vive pensando ser um Rei, mas que de tanta vaidade não enxerga a cara da derrota no detalhe do espelho. Não vê porque não quer, não ouve porque espera que alguém ligue e não fala porque... ninguém liga.


Fumaça na Neve

Imagino os dias quentes e carnavalescos
E as úmidas noites francesas
Percebo um suave sorriso em sua boca
E desejo seu brilho molhado

Imagino nossa casa mal arrumada
A carteira esquecida na sala
E a gente atrasando outra festa
Pois nunca resisto ao seu brilho

Imagino a caixa de correio
E o cheiro de piscina no ar
Que te atrapalha a focar na carta
Que ainda não acabou de ler

Imagino a minha reação ao te ver
Percebo em mim uma sensação conhecida
Pois toda vez que te vejo
Ela bate bem forte no peito

É que basta olhar pro futuro
Pra imaginar aquele nosso mundo
Tão imperfeito como a noite dos sonhos
E tão perfeito como o calor úmido dos nossos corpos em contato

Imagino, por fim
Sua pele de neve macia
O seu toque
Sua magia
Que me traz o tesão pela vida
No calor que o atrito provoca
Toda vez que seu corpo me toca