23 de dezembro de 2016

A Jornada (Parte I)

Quando Tom deu as costas, ninguém o entendeu.

Caminhavam sem rumo e lado a lado os quatro amigos: Carlos, Rick, Tom e Joel. Numa aparente harmonia por uma calma estrada de terra, cantavam suas músicas favoritas que não fugiam muito de um Pop Rock inofensivo e romantizado. Vomitavam banalidades enquanto descobriam suas verdadeiras identidades longe da simulação civilizada. Tudo como tinha que ser para os garotos da oitava série, até que Tom simplesmente se cala e, logo depois, fica dois passos à frente sem olhar pra trás. Com uma cara de espanto, o garoto começa a olhar atento a cada detalhe da paisagem seca que o rodeia: a cerca de arame farpado que delimita a estrada, o cascalho e as crateras no chão, as vacas e gramas secas e imóveis ao redor... confusos, seus amigos esboçam risadas sem graça seguidas de olhares desconfiados e ombros pra cima.

A jornada continua e a conversa toma rumo mais uma vez com os três falando sobre as garotas da escola. Rick começou se gabando:

- Ontem a Jéssica veio sentar do meu lado. Vou chegar junto semana que vem! HEHEHE

Joel responde com uma leve gargalhada:

- Semana que vem não tem prova de matemática de novo, mané! HAHAHA. E ela só dá bola pra galera do terceiro, todo mundo sabe!

Enquanto isso, Carlos tenta chamar a atenção de Tom, que se afasta um pouco mais do bando:

- E você Tom, o que conversava com ela ontem?

Tom se vira com um olhar distante e lateral, como se analisasse o chão a metros dali, e responde calmamente:

- Ela veio me perguntar se eu a achava bonita.

"Caralho, sério? E o que você disse, cara?", questionou o amigo.

Tom se vira pra frente, dá de ombros e diz:

- Falei o que ela queria ouvir, óbvio!

Depois disso, o garoto não se virou mais. A passos largos ele se distanciava cada vez mais e parecia cada vez mais ansioso. Os amigos pararam de tagarelar e foram mais depressa pra não perdê-lo de vista. Sem se virar, Tom alerta os amigos:

- Galera, vocês sabem que nunca passamos daqui. Estamos longe e logo vai anoitecer, mas eu preciso descobrir por que meu pai me disse pra eu nunca vir pra essas bandas. Me deixem aqui, prometo ficar bem e contar pra vocês amanhã na aula o que tem  de tão proibido.

Joel respondeu:

- Ouvi dizer que tem uma ponte de madeira quebrada alguns quilômetros pra frente.

Rick confirma:

- É, dizem que é mal assombrado. Não vai nos meter em mais uma fria, né Tom?

Carlos também comenta:

- Meu irmão me disse que é um lugar onde algumas pessoas se suicidaram no passado. Um desvio pelo vale foi construído pelos fazendeiros que precisavam atravessar e a ponte nunca foi restaurada. Eu vou contigo, Tom! Não é seguro ficar aqui sozinho e... sua mãe me mata se chego lá sem você.

Rick esbraveja:

- Vocês são malucos mesmo! Só querem ser os "rebeldezinhos" pra depois contar vantagem. Pra mim já deu! Bora Joel?!

Confuso, Joel decide voltar com Rick pra casa, embora tivesse vontade de ficar com os amigos e ver o que realmente tinha mais à frente. Rick respira aliviado com a decisão do colega, já que estava morrendo de medo de voltar sozinho pela estrada vazia.

Continuando a jornada, Tom e o inseparável Carlos correram atentos. O primeiro atento a tudo, com olhar de euforia e determinação e o segundo atento ao primeiro, com olhar de incompreensão e admiração. Carlos demonstra ainda não entender os motivos de seu amigo:

- Por que exatamente você decidiu correr esse risco, mano? Pode ser perigoso demais andar por aqui à noite!

Tom responde com uma pergunta em tom provocante:

- Me diz por que é que você resolveu correr esse risco?

Carlos engoliu a saliva e permaneceu calado por alguns segundos, sem saber ao certo a resposta. Logo, Tom continuou:

- Pra cada um, sempre vai ter algo que valha a pena o risco. Pode ser alguém, pode ser uma coisa ou pode ser você mesmo. No meio do caminho eu me lembrei que você sempre me questiona em tudo, por isso resolvi questionar também o meu pai. Afinal, se ele sabe que eu não posso vir aqui é porque provavelmente ele mesmo já veio. E ele está vivo, não está? 

Carlos balançou a cabeça pra cima e pra baixo e seguiram adiante. A noite já tinha chegado faz tempo e os dois garotos, já exaustos, avistaram a ponte quebrada. 

"Não é tão assustador!", ironizou Tom.

Os garotos foram até a ponte, analisaram ao redor, olharam pra baixo e tudo o que se via era uma água calma de um rio quase morto. Mais se ouvia do que se via, é verdade, mas incrivelmente eles nem estavam mais com medo. Sentaram-se na beira, lado a lado, e olhando pro céu estrelado Tom perguntou:

- O que será que tem depois de todas as estrelas? Digo, tem que ter alguma coisa, não é mesmo?

Carlos se virou pro amigo, respirou fundo e disse:

- Trouxe algo pra comer? Tô morrendo de fome!

Depois de dar boas risadas os dois tomaram o caminho de volta. O papo fluiu despreocupado e bem humorado durante todo o caminho. Nem sobrou tempo pro medo do escuro ou das palmadas das mães quando chegassem em casa.

Cada um em sua casa, se explicaram, se desculparam com os pais, comeram, tomaram banho e foram dormir. O mesmo ritual parece ter despertado a mesma sensação nos dois. Olhando para o teto, Carlos pensou consigo mesmo: "Que dia foda! Tomara que amanhã chegue logo pra rever meus amigos!". Na mesma posição mas sob tetos diferentes, Tom também refletiu: "Nunca me senti tão bem. Preciso me aventurar assim mais vezes!"

Exaustos, adormeceram com um sorriso no rosto. Então finalmente o dia teve fim, mas a jornada só estava começando.





14 de setembro de 2016

Carta rimada

por Jefferson Veloso.

Não precisa de jornal para saber o acontece
Não preciso de igreja para rezar a minha prece
Prefiro ir pra rua e sofrer as consequências 
Do que ficar em casa alimentando minhas demências

As redes sociais ditam novas regras
Criando novas visões p'ressa sociedade cega
Que não enxerga um palmo na frente do nariz
Cagando e andando no próprio chafariz

Esperando a verdade suave, nua e crua
Lendo boas frases nos cartazes da rua
Esquecendo a realidade ilusória já criada
Depois dos goles de cerveja bem gelada

Esquece o que viu por que não enxergou
Esquece o que o seu profeta pregou
Esquece de viver pouco como M. Monroe
Pra viver muito, como ave que não quer voo

Pessoa de sangue guerreiro
Rolê na quebrada é o que é
Faz seus corres, faz seu dinheiro
Depois procura o que você quer
Pra não ser mais um rato qualquer
Correndo sempre no mesmo bueiro

Sem pressa, sem espera e sem medo
Segue na luz do seu caminho
E não penses em chegar lá muito cedo
Fique rico de jornadas
Caminhadas de investimento

E se o tempo me der um tempinho
Corro em sua casa pra te dar um beijo
Só não sei se amanhã eu te vejo
Pois mesmo selvagem, me faço mansinho




2 de junho de 2016

Poesia da Ciência e Vice-Versa

Deus é o matemático
Com lógica distorcida
E ciência nada prática

Deus é o cientista
Com olhar infantil
E visão de artista

Deus é o humorista da tragédia
Escondido em cortinas teatrais
Sem talento pra comédia

Deus é o pintor de auto-retratos
Com tinta binária virtual
Pintando só seu quadro geral

Deus é o viajante
Um preciso navegante
Quando viver não é preciso

Deus, então, é o poeta
Vivendo e morrendo em linhas
Tão tortas quanto as minhas


Papel Picado no Teatro dos Homens

Ao sair da jaula no trabalho, o homem exausto reflete: o dia, que leva embora meu tesão, fez o homem ver o homem.

Ao passar pelos homens na obra, o homem de fora observa: o dia, que nunca acaba de fato, fez o homem ler o homem.

Ao tragar no bar da esquina, o homem delirante resmunga: o dia, que amarga a cerveja e a vida, fez o homem fantasiar o homem.

Ao deitar solitária com o homem, a mulher aos prantos suplica: ó homem, que prostitui o dia, faça o homem, seja homem, sem fingir que o homem não se vê.


...

Adimite-se que a vida é um ponto. Cada um enxerga o seu de acordo com sua percepção, que é afetada por fatores genéticos, históricos,  geográficos, psicológicos... Tal ponto, qualquer que seja, tem o mesmo tamanho se observado de fora, mas visto de dentro ele tende ao infinito. A vida individual, tal como analisada, passa a ser relativamente variável e imutável, tudo ao mesmo tempo. Uma contradição.

Admite-se que a vida é um ponto. Visto de fora da Terra, esse ponto se mostra como um caótico equilíbrio entre as espécies vivas no planeta. Porém, por outra perspectiva a vida consegue ser caracterizada como uma maneira inteligente e acelerada do universo melhorar a si mesmo. É uma questão de tentativa e erro. Se esse processo for consciente, já é uma contradição, pois inicialmente não haveria inteligência consciente sem que houvesse uma outra que a criasse. Se não for consciente, vira uma improbabilidade, já que envolve tomadas de decisões sequenciais e infinitamente improváveis que resultam em uma complexidade assustadora. Pois bem, o conceito de vida se torna uma provável improbabilidade, ou seja, uma contradição.

Adimite-se que a vida é uma contradição. Do ponto de vista lógico, as contradições não deveriam existir, pois não adimite-se que um fato pode conter mais de uma verdade. Um ponto não pode ser um e dois ao mesmo tempo. Entretanto, existe uma diferença enorme entre idealizar que contradições não deveriam existir e observar que, queira a lógica ou não, elas existem e fazem parte daquilo que nos rodeia. Admitir que a visão que temos de um ponto diz muito pouco sobre o ponto e em nada modifica o ponto em si, ou seja, querer estabelecer verdades para o mundo objetivo ajuda bastante a estabelecer conceitos, ciências e regras pra melhor entendimento da enorme complexidade que nos rodeia, mas ao nos limitarmos aos pontos de vista da lógica convencional, estaríamos fechando os olhos para o entendimento e preservação da vida nesse minúsculo e pálido ponto azul.

A percepção humana limita o ponto que chamamos de lógica apenas àquilo que conseguimos observar e/ou reproduzir. O ser humano ainda não admite que seu corpo é capaz de perceber apenas uma parcela dos fenômenos físicos que o rodeia a todo instante, e que enquanto não consegue tecnologia suficiente para ajudá-lo a transpor as limitações naturais do corpo, sua mente altamente imaginativa é a chave para propor diversos pontos de vista imaginativos que mostram os pontos em infinitos ângulos e posições, onde um único ponto poderia ser vários ou nenhum, e assim a vida poderia deixar de ser um ponto e passaria a ser uma linha bidimensional, em seguida um objeto tridimensional...



Por este ponto de vista, a vida não seria um produto do universo, mas sim seu processo mais refinado de descobrir-se, entender-se e evoluir.

Caco de Espelho

Ninguém liga. Tudo aquilo que mais te preocupa; tudo o que te tira da cama a cada manhã; as coisas para as quais você se dedica diariamente a reforçar para que não desmoronem; tudo isso que te sufoca e que, no fim, você percebe que dedicou a vida inteira em prol, acaba se mostrando sem sentido algum, e ninguém nunca deu a mínima.

O mundo está cagando pros seus caprichos. Você é um número virtual e estatístico pro seu país e pra sua cidade. Sua família sempre te achou um merda sem futuro. Seus amigos estão ocupados demais pra ouvir seus lamentos, já que tem que se preocupar em não serem merdas pras suas famílias e mulheres. Sua mulher te acha um merda maior ainda e te trocaria por qualquer merda mais cheirosa. Você é tão merda que não sente seu próprio fedor e ainda fica se remexendo na esperança que alguém te elogie. Sua vida de merda não vale nada pra ninguém além desse seu ego estúpido que clama por um reconhecimento que não vale um mísero centavo.

Em resumo, você é um fodido. Está totalmente sozinho e perdido num ambiente hostil e escuro, com medo dos predadores que urram e com mais medo ainda de abrir os olhos pra não ter que enfrentar a realidade. Um cego no tiroteio que não sabe o que é uma arma e nem quer aprender. Aprendeu a aceitar ser um merda e vive pensando ser um Rei, mas que de tanta vaidade não enxerga a cara da derrota no detalhe do espelho. Não vê porque não quer, não ouve porque espera que alguém ligue e não fala porque... ninguém liga.


Fumaça na Neve

Imagino os dias quentes e carnavalescos
E as úmidas noites francesas
Percebo um suave sorriso em sua boca
E desejo seu brilho molhado

Imagino nossa casa mal arrumada
A carteira esquecida na sala
E a gente atrasando outra festa
Pois nunca resisto ao seu brilho

Imagino a caixa de correio
E o cheiro de piscina no ar
Que te atrapalha a focar na carta
Que ainda não acabou de ler

Imagino a minha reação ao te ver
Percebo em mim uma sensação conhecida
Pois toda vez que te vejo
Ela bate bem forte no peito

É que basta olhar pro futuro
Pra imaginar aquele nosso mundo
Tão imperfeito como a noite dos sonhos
E tão perfeito como o calor úmido dos nossos corpos em contato

Imagino, por fim
Sua pele de neve macia
O seu toque
Sua magia
Que me traz o tesão pela vida
No calor que o atrito provoca
Toda vez que seu corpo me toca

5 de fevereiro de 2016

Vício

O dia começa e já me vejo lá
O sorriso bobo me entrega
Quando um simples bom dia
Dá sentido ao que quer que eu faça

Na tarde branca eu a toco de longe
Me equlibrando em passos curtos
Não ouso correr nem parar
Pois é certo que ela me aguarda

A noite chega escondendo a luz
Mas ela sempre veste um perfume claro
Que meus lábios lêem alucinados
Tão mísicos são seus sinais

Ao fim da noite e da dose quente
Como um viciado feliz
Acelero até meu aconchego
Só pra sonhar o dia seguinte
Como se já não fosse um sonho
Amar alguém assim



7 de janeiro de 2016

Antes de dormir

Por Jefferson Veloso.




O amanhã é o verdadeiro sonho
De ir além do que já quero
Esperando uma luz que suponho
Ver dos olhos de quem talvez
nem espero
Mas que de um riso sincero
Me faça realmente enxergar
O que a vida me reserva
A muito tempo

Antes de dormir
Prometo sempre não ter preguiça
E mesmo que de pirraça
Ela venha a acontecer
Que me sirva de lição
Já se foi mais um dia

Ah! Quem me dera ideias surgissem como palavras
Que mesmo sem nexo ou outra fazem algum sentido
Pelo simples fato de aparecer em um verso simplório
De frases e fases de uma vida sem título

Dormir cedo para acordar mais cedo
Ou pra ter mais tempo de Sol.