29 de dezembro de 2014

Opus Dei

Havia apenas uma fresta de luz. Um pequeno buraco entre as inúmeras rochas pretas daquela masmorra. E ela se direcionava exatamente para os olhos dele.

Não sabia ao certo há quanto tempo se achava ali. Suas percepções se distorciam em proporção à dor e à insanidade. Seus braços já não mais se moviam, e a pele já havia aderido às dobras da corrente, formando uma massa quase uniforme. Ele dormia a maior parte do tempo; a única fuga possível e ao seu alcance. Mas lá estava aquela fresta de luz, iluminando seus olhos e não lhe permitindo dormir.

Abriu as pálpebras e deixou-se cegar. Doía como se houvesse uma navalha a cortar seus olhos, como uma punição extra, um adendo ao purgatório. Ele piscou incontáveis vezes, e as lágrimas brotaram como uma nascente, límpida e salgada. Não soube dizer quando conseguiu sustentar o olhar penetrante daquela luz, mas quando o fez, ele sentiu a presença de Deus.

Esforçou-se para se sentar ereto e posicionar sua cabeça inclinada para cima. Era o momento de conversar com Ele. Queria dizer o quanto se sentia só, em como havia esperado por aquela oportunidade. Tanto tempo passado, ele ali, completamente despido de vestes, sentimentos e esperança. Rezou, implorou durante os primeiros dias; Por uma ajuda. Uma melhora. Um milagre. Depois dormiu... desistiu de pedir ajuda aos Céus, quando nem mesmo na terra conseguia alguma graça. Queria dizer que chegara a sonhar com a Morte de Deus. Uma morte sofrida, como aquela a que ele vinha passando. Morte em vida, duradoura, lenta e cheia de pequenas novas surpresas. Deus havia morrido, e quando Sua luz se apagou, ouviu-se um riso frouxo e prolongado. Era dele mesmo, acordando do sonho que, naqueles dias, mais o fizera desligar das próprias dores e sentir uma dor relacionada ao próximo. Sofreu por Deus. Queria perguntar o porquê de tamanha surdez, o porquê daquele abandono, de tamanho desleixo e desinteresse. Se tivesse forças, queria se levantar e cuspir em direção à luz, atirar sobre ela algum objeto cortante, como se ele pudesse parti-la ao meio e enfraquecer a Sua força. Se Deus era onisciente, onipotente e onipresente, ele se sentia inconsciente, impotente e ausente. Sentia raiva, e naqueles instantes também sentiu que poderia rasgar sua pele, desligar-se das correntes e fugir dali.

Mas chorou. De soluçar, ficar sem ar e completamente dolorido. Viu novamente os olhos serem preenchidos por lágrimas que borraram a sua visão da luz, mas não impediram que os olhos sentissem o seu brilho e o seu calor. Deus estava ali.

Fechou os olhos.

http://flickrhivemind.net/Tags/fresta/Interesting


Por Bia de SouZa

20 de dezembro de 2014

Antítese sintética



Deságuo num mar seco
Desando numa estrada sem chão
Me dispo num corpo coberto
Desfoco meus olhos em direção

Recrio o incriável
Refaço o infazível
Reconto o incontável
Renasço do inascível

Canto em silêncio
Vejo dormindo
Sorrio com seriedade
Choro sorrindo

Vivo morrendo uma morte vívida
E sinto sensações numa pele em anestesia
Morro vivendo uma vida mortífera
Acordo sonhando uma realidade
Surrealista


Ciclo Surrealista - Bruno Lopes - http://brunolopes.blogs.sapo.pt



Por Bia de SouZa

18 de dezembro de 2014

CVII - Loja de conveniências

Um homem, quando ama uma mulher,
Nela está a buscar o que a ele agrada,
Chamando-lhe, por isso, "minha amada"
Como se esta fosse um prêmio qualquer;

Quando uma mulher a um homem ama,
O faz por mor prazer e por vaidade
Ao crer que este ser é, na verdade,
Quem lha deseja e por ela clama.

O amor é a moeda do presente
Que compra mor prazeres e desejos
De homens e mulheres descontentes;

Trocamo-las por vis e meros versos,
De idílios que, à vaidade inerentes,
 Transformam-nos além do que sonhamos.

A.P. - 18,12,14

Metamorfose de Narciso, de Salvador Dalí - 1937

15 de dezembro de 2014

Relatos de um usuário (Ditos em primeira pessoa. Pessoa esta dita na terceira do plural)


Como dizia uma pensadora dessa elite ambulante: "Já que eu bebi, comi, fudi e fumei, vou-me embora dessa festa."
Mas a festa continua
Ela esta por aí
Por ali
Pra quem quiser assistir
Mas isso não tem nada ver com o que vou escrever ( ou tem )?
Bem, estou aqui para lhes informa sobre a droga. Que vem destruindo familias. Destruindo cercas. Ajuntando quintais.
Ela, caros leitores, invade seu corpo. Sacode a sua alma (sim, você tem uma, não é legal?). Domina os sentidos, como uma droga qualquer.
Mas essa droga, caros leitores, essa droga vai além do qualquer droga já foi. Ela meche com o seu cérebro... Inteiro!
Vocês que nunca experimentaram, não cheguem perto, por que ela é perigosa.
Caros leitores, isso é muito sério.
Talvez vocês já tenham ouvido falar dela, já que está em qualquer festa, de todos os tipos.
Já passou em festa de criança e rodopiou pelos bailes de terceira idade.
Foi seguindo o horizonte do rock e descendo até o chão nos bailes funk.
Só de falar nela os efeitos já vão surgindo novamente.
Tao forte e sutil que você, caro leitor, nem percebeu que já dei o nome dela. Porque ela é isso. Ela não tem um nome, mas todos conhecem como música. Sim, música!
Não, você não leu errado ( e eu me sentindo parte de reportagem sensacionalista escrevendo isto)
Não existem limites certos para a quantidade de música que a pessoa usa possa aguentar. Porque a música que afeta mais a um usuário não afeta a outro da mesma forma.
Hoje fui num show(que é assim o nome dado ao lugar onde a galera se reune pra usar música) onde tem a droga mais pesada, pra mim.
Raul Seixas
Se você usa música, use, mas não chegue nunca perto de Raul Seixas.
Ela consome a você todo. Te mistura num mexidão de todo mundo que não tem voz nenhuma, a não ser aquela que brota do subconsciente: TOCA RAUL.
Mas, agora que sabem de qual droga estou falando, sabem do quão forte pode ser a onda do usar Raul Seixas.
Hoje não se tem o verdadeiro Raul Seixas. Mas essa droga disse assim: "Que meu corpo seja cremado, e que minha cinzas alimentem a erva, e que a erva alimente outro homem como eu, porque estarei nesse homem, nos meu filhos."
Como vêem, ela não tem seu sabor original, mas sua semente brotou e deu frutos.
Os sintomas desses frutos podem ser dados pela:
-falta de coordenação dos membros (vontade incontrolável de pular, dançar, bater palmas e cerrar os punhos,deixando o mindinho e o indicador levantados)
-perda total do íntimo (todos se abraçam, se beijam, fazem amizades de longas datas em um único encontro)
- euforia e felicidade extremas.
Sim Raul
Sua árvore deu frutos
De todos os sabores
De todos os odores
Do início ao fim
E o meio.
Tu és tao forte
Que une a todos nós
Não existe oposição
Não existe dona de casa
Existe a lei do forte
Que te faz escolher
Se quer pouco como um rei
Ou muito como Zé
Somos todos iguais perante a sociedade
E sentamos juntos à mesa
À mesa da linda e louca
sociedade alternativa!
A sociedade alternativa ainda está acordada. Sempre esteve. Mas ainda está de ressaca.



Por Jéfferson Veloso