1 de maio de 2015

Casinha Branca

                 Quando dei por mim, vi que todas as paredes eram brancas, completamente brancas, sem rodapés ou quinas amadeiradas de cor parda ou marrom; tudo cheirava a branco de tão claro, e isto me dava uma enorme sensação de conforto, como se toda minh’alma, feito um camaleão, aderisse a cor onipresente e onisciente da casa. Havia algumas pessoas, todas inidentificáveis pela minha consciência em nirvana, pois parecia estar havendo ali uma pequena festa, serena feito o dia que, pelas enormes janelas ocupando quase cinquenta por cento das paredes, iluminava todo o interior.

                Após atravessar uns tantos quantos corredores e portas, encontrei-me em uma varanda retangular, com o comprimento três vezes maior que a largura, onde, no final de uma das extremidades, avistei um pequeno grupo de pessoas formando uma roda, como as feitas para se dançar ciranda. Curioso, aproximei-me, e fui dar de rosto com um grande amigo que há tempos não via, sentindo que a cada passo mais próximo a ele, a saudade que lhe guardava ia aumentando, gradativamente. Qual não foi o meu espanto quando trocamos mirradas frases e ele se retirou, abrindo uma porta na roda humana; aproveitei a abertura e ocupei o lugar do meu amigo, e, de um susto ao outro, vi-lhe, encostada na parede, feito uma estatua de Michelangelo rodeada por visitantes em um museu.

                Novamente aproximei-me, sentindo outra vez aquela saudade indefinível crescer em mim, pouco a pouco, até dar-me rosto a rosto contigo, mas, desta vez, sem a coragem de proferir palavra alguma. Qualquer cumprimento que fosse dirigido a você, ali, estragaria o meu solo de contemplação. Após um longo silêncio, pude então aperceber-me de todo o seu ser, que estava vestido com uma blusa de frio com capuz da cor preta, destacando-se naquele mar de leite em que nos encontrávamos; teu cabelo era curto, tanto quanto as poucas palavras que trocávamos, segundos antes de eu tentar roubar-lhe um beijo, mas você virou o rosto, deixando-me apenas tocar meus lábios úmidos em sua bochecha esquerda e vermelha. Você sorriu, corou ainda mais, eu calei, gelei, e então a estátua de mármore era eu, sem saber como agir, ou melhor, reagir ao seu sublime e terno gesto. Não demorou muito, você mudou as tintas do quadro que nós pintávamos, segurando-se em minha nuca com a mão direita, ao me dar um leve e longo beijo na boca. Ficamos assim por um vasto tempo, sentindo as pétalas de nossas bocas se roçarem com o vento de nossas almas unidas e em êxtase, formando um pequenino furacão de emoções que rodeava nossos corpos.

                Não tive tempo de me despedir, nem mesmo de sentir sua boca desvanecer-se da minha; acordei bem devagarinho, meditando, ainda sentindo uma sensação gostosa de minha alma levíssima feita um pavão branco voando dentro do meu corpo, que também era, por agora, uma casa branca, totalmente branca.


Augusto Procópio - 2,2,15

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