24 de janeiro de 2014

Maktub

Em Janeiro, mês de começo
Nasceu o mais lindo de todos os Homens
Homem já feito com alma de Artista
Que já de longa vista
Sabia-se Guerreiro

Homem criança, de alma e corpo
Rebelde menino que soube causar
Demonstrou seu talento, de pernas pro ar
De cara com a vida, sem medo ou desgosto

Menino faceiro, tão belo e frágil
Tão forte e mágico, que a si mesmo conduz
Foi crescendo ligeiro, e num flash bem ágil
Se achava nos palcos, banhado de luz

No ano 14, (novamente Janeiro) 
De 2000 já de Cristo
Apenas provou o que era sabido

Nasceu abençoado, pela Lua descrito
Nos anais mais lidos
Deste mundo em Merda entranhado

Teatral.
Para Jéfferson.
Com todo o meu amor.
Bia.


23 de janeiro de 2014

Incêndio

Ele tragou o cigarro como quem inspira pela última vez. E talvez fosse. Todo o seu mundo estava tão confuso que não poderia afirmar que aquele não seria o seu derradeiro suspiro.

A fumaça rodopiou em frente aos seus olhos, e lágrimas conhecidas ameaçaram a escorrer por sua face. Ele sorriu e passou os dedos ásperos pelos olhos, fazendo com que elas caíssem com ainda mais agilidade.



Levantou-se e deparou-se consigo mesmo esculpido no espelho. Era inegavelmente bonito. Muitos diriam lindo, até mesmo perfeito. Ele estava acostumado a fingir ignorar os suspiros de ambos os sexos emitidos pelos lugares por onde passava. Sabia o efeito que causava e isso nunca o incomodou.

Até agora. Nada mais fazia sentido. Aquele corpo definido, com proporções e dotes invejáveis já não mais era algo do que se orgulhar. Via-se no espelho e não se reconhecia. Não se gostava. Tinha se afastado gradualmente de si mesmo.

Desviou o olhar de seu eu refletido e ligou o chuveiro. Deixou a água gelada cair por sua pele e arrepiá-la com gosto. Sentiu-se lentamente preenchido por um prazer natural, quase ingênuo. Passou as mãos por sobre o corpo, buscando um contato que há muito já não se fazia.

Apertou-se, esfregou-se. Respirou. Gemeu.

Amou-se de um jeito torto, quase repugnante.

Mas sentiu um contato ser estabelecido e isso o deixou mais leve.

Saiu andando pela casa nu, sem coberturas e amarras, pingando gotas e deixando rastros. Abriu a janela num impulso e sentiu o vento chuvoso inundar as suas narinas de um ar repleto de pneumonia. Não se importava em tomar mais os cuidados que outrora lhe foram tão importantes. Nada daquilo mais lhe fazia algum sentido, e só o que queria era poder respirar mais uma vez.

Percebia, com uma certa ironia, que o seu "derradeiro suspiro" não tinha sido o último. Provavelmente, ainda suspiraria outros derradeiros tantos.

Virou-se e, novamente, viu-se refletido no espelho. Molhado e com a pele cheia dos furinhos característicos dos arrepiados, conseguiu vislumbrar uma centelha de uma chama quase apagada, mas ainda existente dentro de si. Sorriu abertamente. E pegando o isqueiro na cômoda, pôs fogo ao redor de si.

O que se via do espelho era nada mais do que um corpo envolto por uma cortina de fogo. Purificado.

Respirou a fumaça e sentiu o peito se encher de uma felicidade tóxica.

Ele andou cambaleante até a sala, interfonou para os Bombeiros e esperou.

Só o que lhe restava era fechar os olhos e adormecer com a visão do seu espelho sendo consumido pelas chamas azuis.




Por Bia de SouZa




18 de janeiro de 2014

Passatempo

Ela se sentou sobre a cama e começou a roer as unhas. Nada mais a relaxava do que este simples gesto autodestrutivo. Roía tudo, até não ter mais onde rasgar.

A pele ficava vermelha, inchada, repleta de gotículas de sangue. Ela achava aquilo tão bonito, tão natural. Lembrava-a de como o seu corpo era frágil. Um simples mordiscar podia fazer um estrago tão grande quanto uma bala diretamente na têmpora. E isso era mágico.

Roeu até não conseguir mais. Sentia os dedos ficarem com câimbras, dolorosamente formigantes. A cada sensação dessa, ela se sentia como um viciado, recém recebido em seu vício. Puro êxtase.

Todos os dedos estavam dormentes. Os olhos começaram a lacrimejar. Eram lágrimas de felicidade, de adrenalina. Foi então que ela viu os dedos dos pés.

Nada melhor do que ter sido bailarina por mais de dez anos.

Roer os pés era algo inusitado. Os dedos com textura e tamanhos diferentes, com unhas do mesmo modo distintas. Um desafio. Ela adorava.

Rasgou o dedão. O sangue jorrou. Ela ficou olhando, vendo o lençol ir se tingindo de um vermelho vivo, cheio de pulso. O tecido ia puxando o líquido, como um filtro de café, deixando com que a superfície do colchão tivesse contato com aquele rubro quente, puro. Saboroso.

O telefone pareceu tocar. Ou talvez fosse a campainha. Ela não se mexeu. Não havia nada no mundo mais importante do que ver o seu próprio sangue ser sugado por um outro objeto. Era lindo.

Por isso era tão bom roer as unhas. Uma forma de se auto-sugar.

Se auto-provar.

Ela mudou de posição e pegou o dedão do outro pé. Enquanto isso, sentia o primeiro entrar em estado de paralisia. Ela começou a roer a unha, pensando que ainda lhe faltavam oito dedos.
Por Bia de SouZa

14 de janeiro de 2014

Esboço De Uma Teoria Pela Metade


Meia noite de uma vida mal dormida
Meios sonhos
Meio tolos
Meio mortos

Meia vida de uma noite mal dormida
Meio livre
Enjaulado
Fugitivo que não tem aonde ir

Meia vida e outra noite mal dormida
Meias palavras
Meio sem querer
Meia que não tem par

Meia noite de um pesadelo mal sonhado
Onde pessoas pela metade
Se matavam por meios macabros
Na esperança de que por algum meio
Suas mãos, bocas e bolsos tão cheios
Aliviem o amargo de vidas tão vazias