18 de janeiro de 2014

Passatempo

Ela se sentou sobre a cama e começou a roer as unhas. Nada mais a relaxava do que este simples gesto autodestrutivo. Roía tudo, até não ter mais onde rasgar.

A pele ficava vermelha, inchada, repleta de gotículas de sangue. Ela achava aquilo tão bonito, tão natural. Lembrava-a de como o seu corpo era frágil. Um simples mordiscar podia fazer um estrago tão grande quanto uma bala diretamente na têmpora. E isso era mágico.

Roeu até não conseguir mais. Sentia os dedos ficarem com câimbras, dolorosamente formigantes. A cada sensação dessa, ela se sentia como um viciado, recém recebido em seu vício. Puro êxtase.

Todos os dedos estavam dormentes. Os olhos começaram a lacrimejar. Eram lágrimas de felicidade, de adrenalina. Foi então que ela viu os dedos dos pés.

Nada melhor do que ter sido bailarina por mais de dez anos.

Roer os pés era algo inusitado. Os dedos com textura e tamanhos diferentes, com unhas do mesmo modo distintas. Um desafio. Ela adorava.

Rasgou o dedão. O sangue jorrou. Ela ficou olhando, vendo o lençol ir se tingindo de um vermelho vivo, cheio de pulso. O tecido ia puxando o líquido, como um filtro de café, deixando com que a superfície do colchão tivesse contato com aquele rubro quente, puro. Saboroso.

O telefone pareceu tocar. Ou talvez fosse a campainha. Ela não se mexeu. Não havia nada no mundo mais importante do que ver o seu próprio sangue ser sugado por um outro objeto. Era lindo.

Por isso era tão bom roer as unhas. Uma forma de se auto-sugar.

Se auto-provar.

Ela mudou de posição e pegou o dedão do outro pé. Enquanto isso, sentia o primeiro entrar em estado de paralisia. Ela começou a roer a unha, pensando que ainda lhe faltavam oito dedos.
Por Bia de SouZa

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