23 de janeiro de 2014

Incêndio

Ele tragou o cigarro como quem inspira pela última vez. E talvez fosse. Todo o seu mundo estava tão confuso que não poderia afirmar que aquele não seria o seu derradeiro suspiro.

A fumaça rodopiou em frente aos seus olhos, e lágrimas conhecidas ameaçaram a escorrer por sua face. Ele sorriu e passou os dedos ásperos pelos olhos, fazendo com que elas caíssem com ainda mais agilidade.



Levantou-se e deparou-se consigo mesmo esculpido no espelho. Era inegavelmente bonito. Muitos diriam lindo, até mesmo perfeito. Ele estava acostumado a fingir ignorar os suspiros de ambos os sexos emitidos pelos lugares por onde passava. Sabia o efeito que causava e isso nunca o incomodou.

Até agora. Nada mais fazia sentido. Aquele corpo definido, com proporções e dotes invejáveis já não mais era algo do que se orgulhar. Via-se no espelho e não se reconhecia. Não se gostava. Tinha se afastado gradualmente de si mesmo.

Desviou o olhar de seu eu refletido e ligou o chuveiro. Deixou a água gelada cair por sua pele e arrepiá-la com gosto. Sentiu-se lentamente preenchido por um prazer natural, quase ingênuo. Passou as mãos por sobre o corpo, buscando um contato que há muito já não se fazia.

Apertou-se, esfregou-se. Respirou. Gemeu.

Amou-se de um jeito torto, quase repugnante.

Mas sentiu um contato ser estabelecido e isso o deixou mais leve.

Saiu andando pela casa nu, sem coberturas e amarras, pingando gotas e deixando rastros. Abriu a janela num impulso e sentiu o vento chuvoso inundar as suas narinas de um ar repleto de pneumonia. Não se importava em tomar mais os cuidados que outrora lhe foram tão importantes. Nada daquilo mais lhe fazia algum sentido, e só o que queria era poder respirar mais uma vez.

Percebia, com uma certa ironia, que o seu "derradeiro suspiro" não tinha sido o último. Provavelmente, ainda suspiraria outros derradeiros tantos.

Virou-se e, novamente, viu-se refletido no espelho. Molhado e com a pele cheia dos furinhos característicos dos arrepiados, conseguiu vislumbrar uma centelha de uma chama quase apagada, mas ainda existente dentro de si. Sorriu abertamente. E pegando o isqueiro na cômoda, pôs fogo ao redor de si.

O que se via do espelho era nada mais do que um corpo envolto por uma cortina de fogo. Purificado.

Respirou a fumaça e sentiu o peito se encher de uma felicidade tóxica.

Ele andou cambaleante até a sala, interfonou para os Bombeiros e esperou.

Só o que lhe restava era fechar os olhos e adormecer com a visão do seu espelho sendo consumido pelas chamas azuis.




Por Bia de SouZa




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