8 de setembro de 2013

A Portuguesa


                Com alguns anos a minha frente, encantou-me justamente pela sua jovialidade. Seu sorriso, embora de aparência infantil, emanava, subliminar, toda a tranquilidade que acumulara durante os anos; era um sorriso simples no gesto, mas forte na expressão.
               
                Seus olhos pequenos pareciam sustentar, há tempos, um sofrimento distante, vago, talvez herança de sua terra natal, cuja musica popular é o fado, onde as notas nascem de uma lira que toca a si mesma. Porém, estes mesmos olhos, embora nostálgicos, não deixavam de emanar o brilho da novidade sobre uma nova terra fértil que adubara com seus sonhos, regara com suas esperanças e viu ser floreada pelas suas alegrias em auroras, tudo isso delicadamente enfeitada com suas lembranças de outrora. Jamais se esquecera de onde viera, de onde nascera. Trouxera de lá tudo o que lhe foi dado e ensinado, e como aprendera, ensinava-me, e isso a tornava ainda mais bela!

                Possuía uma estatura baixa, e por isso frágil. Quis protegê-la fisicamente assim como ela me protegia psicologicamente. Ao lado dela sentia-me seguro como um homem que se sente seguro em relação a si mesmo, e não preso à ideia de que a sua segurança depende de outrem; sustentava-me a ela, não como um telhado sobre pilastras, mas como um homem sobre um sonho; o que lhe mantém erguido não é o sonho em si, mas a própria fé que ele tem em seu sonho. E foi tentando protege-la assim, naturalmente, que acabei por me abrir aos poucos, gradativamente, enquanto ela fazia soar minhas notas feito um pianista, tecla a tecla, uma hora branca, outra hora negra! Abri-me a ela e ela tocou-me, razoavelmente, tocando-me apenas o tanto que eu me abria, sem violações ou abusos, até nos tornarmos duas cores em gradientes, nas quais circulavam algumas variedades tonais, como uma palheta girada por um pintor entediado.

                Caminhamos assim pelas ruelas da cidadezinha, visitando museus, lojinhas de souvenir e etc. Houve um instante em que ela desejou comprar uma rede de balanço, neste mesmo instante eu quis ter braços longos; estranha sensação, mas de um prazer sereno e casto. Seguimos passeio até um alto gramado, onde descansamos a vista com a paisagem mineira: casarios, arvoredos, uma longa e única cadeia de montanhas, uma grande igreja a frente de uma pequena escondida que se mostrava tímida. Não chegamos a presenciar o momento mágico que é o por do sol visto naquele exato lugar, estávamos lúcidos, calmos, respirávamos em silêncio, olhávamo-nos de vez em quando, trocamos algumas palavras, mas poucas, rimos claro, mas baixo, tão baixo que pudemos ouvir o reclame de nossos estômagos esquecidos, e então constatamos que era hora de voltarmos para casa e almoçarmos, enfim.

                No caminho, ainda conversamos um pouco, intermitentemente, entre risos e silêncios. Ela já estava a planejar sua partida quando um jovem nos parou com uma pergunta. A partir deste momento, tudo se passou em uma questão de segundo, e quando dei por mim, estava acenando-lhe com a mão direita, e ela respondia com a esquerda; assim nos despedimos, como quando nos conhecemos, com um único gesto repetitivo e brando, feito sem pensar. Não traçava um reencontro breve, e presumo que ela também não; estávamos contentes por termos nos conhecidos, e creio que isso nos bastava, naquele momento. 

2 comentários:

  1. seus escritos são ótimos. esse texto me lembrou a maneira de escrever do rubem braga. bjos.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, tanto pela observação quanto pelo elogio através da comparação, ou aproximação, com Rubens Braga!

    ResponderExcluir