Com alguns anos a minha frente,
encantou-me justamente pela sua jovialidade. Seu sorriso, embora de aparência
infantil, emanava, subliminar, toda a tranquilidade que acumulara durante os
anos; era um sorriso simples no gesto, mas forte na expressão.
Seus olhos pequenos pareciam
sustentar, há tempos, um sofrimento distante, vago, talvez herança de sua terra
natal, cuja musica popular é o fado, onde as notas nascem de uma lira que toca
a si mesma. Porém, estes mesmos olhos, embora nostálgicos, não deixavam de
emanar o brilho da novidade sobre uma nova terra fértil que adubara com seus
sonhos, regara com suas esperanças e viu ser floreada pelas suas alegrias em
auroras, tudo isso delicadamente enfeitada com suas lembranças de outrora.
Jamais se esquecera de onde viera, de onde nascera. Trouxera de lá tudo o que
lhe foi dado e ensinado, e como aprendera, ensinava-me, e isso a tornava ainda
mais bela!
Possuía uma estatura baixa, e
por isso frágil. Quis protegê-la fisicamente assim como ela me protegia
psicologicamente. Ao lado dela sentia-me seguro como um homem que se sente
seguro em relação a si mesmo, e não preso à ideia de que a sua segurança
depende de outrem; sustentava-me a ela, não como um telhado sobre pilastras,
mas como um homem sobre um sonho; o que lhe mantém erguido não é o sonho em si,
mas a própria fé que ele tem em seu sonho. E foi tentando protege-la assim,
naturalmente, que acabei por me abrir aos poucos, gradativamente, enquanto ela
fazia soar minhas notas feito um pianista, tecla a tecla, uma hora branca, outra
hora negra! Abri-me a ela e ela tocou-me, razoavelmente, tocando-me apenas o
tanto que eu me abria, sem violações ou abusos, até nos tornarmos duas cores em
gradientes, nas quais circulavam algumas variedades tonais, como uma palheta
girada por um pintor entediado.
Caminhamos assim pelas ruelas da
cidadezinha, visitando museus, lojinhas de souvenir e etc. Houve um instante em
que ela desejou comprar uma rede de balanço, neste mesmo instante eu quis ter
braços longos; estranha sensação, mas de um prazer sereno e casto. Seguimos
passeio até um alto gramado, onde descansamos a vista com a paisagem mineira:
casarios, arvoredos, uma longa e única cadeia de montanhas, uma grande igreja a
frente de uma pequena escondida que se mostrava tímida. Não chegamos a
presenciar o momento mágico que é o por do sol visto naquele exato lugar,
estávamos lúcidos, calmos, respirávamos em silêncio, olhávamo-nos de vez em
quando, trocamos algumas palavras, mas poucas, rimos claro, mas baixo, tão
baixo que pudemos ouvir o reclame de nossos estômagos esquecidos, e então
constatamos que era hora de voltarmos para casa e almoçarmos, enfim.
No caminho, ainda conversamos um
pouco, intermitentemente, entre risos e silêncios. Ela já estava a planejar sua
partida quando um jovem nos parou com uma pergunta. A partir deste momento,
tudo se passou em uma questão de segundo, e quando dei por mim, estava
acenando-lhe com a mão direita, e ela respondia com a esquerda; assim nos
despedimos, como quando nos conhecemos, com um único gesto repetitivo e brando,
feito sem pensar. Não traçava um reencontro breve, e presumo que ela também
não; estávamos contentes por termos nos conhecidos, e creio que isso nos bastava,
naquele momento.
seus escritos são ótimos. esse texto me lembrou a maneira de escrever do rubem braga. bjos.
ResponderExcluirObrigado, tanto pela observação quanto pelo elogio através da comparação, ou aproximação, com Rubens Braga!
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