22 de fevereiro de 2013

eu sou Raul

por Jéfferson Veloso.



Simples assim:  
sou o sim
sou o não
talvez seja sim
talvez sim
talvez não
talvez seja tudo
ou talvez seja nada

Seja o que for que sou
Que eu seja o simplesmente
com formato displicente
um vulgo inconsequente
dentre tantas outras mentes
com ações inconsequentes
agindo solenemente
buscando sua própria tangente
com caminhos subsequentes.

Sou o enfim
Com breve receio de mim
Que não consegue encontrar o fim.

Um salvador do mundo
Um salvador de nada
Um Salvador Dalí

Um ser desconexo sem nexo

Sou pura safadeza
Sem meia sutileza
Vagando pelo obscuro
Um pouco em cima do muro


Sou o filho do meio termo
Somos
Serei
Seremos

Talvez esteja sendo o demais
Que se apaixona pelo de menos
Colocando no mundo um mais ou menos
Que do futuro nada saberemos.

Sou assim,
sou assado
A tristeza do palhaço
A graça do desgraçado
que finge ser engraçado
Amargurado

Sou o cobertor velho que largaram no caminho
Sou a camisa verde no fundo do guarda-roupa
Sou o que guardaram no cantinho
Guardado para ser esquecido.


Sou incógnita
um todo que não faz nada
Ou um nada responsável por tudo
Um simples reflexo n'água
Refletindo o tempo em seu contínuo fluxo.


Eu sou o meio da conversa
Palavra esquecida
Um inventário barato de qualquer marfim



Sou meias palavras
Sou segundo sentido
Sou meio, sou fim
O caso do descaso
Desacostumado com o acaso


Sou fera ferida
Sou morte morrida
Despachos e afins.


Sou puro sentimento guardado em casca viva
Sou o doce puro sangue da vida sofrida
Sou o Seu Antônio do boteco da esquina
Sou a Severina da pamonharia
Sou o Senhor João da relojoaria
Ou a dona Maria da Padaria
Sou luz, sou Jesus.
Sou o deus de minha própria escrita.

Sou o meio da história
Sou a merda do mundo

Sou a desgraça incessante
Sou o pouco de mim
A luz das estrelas
Ou o preço do fim
O fruto de um sonho
Ou o resultado do sonhador

Eu sou a minha própria igreja
Eu sou o grito de quem peleja
Sou a verdade que sai da cerveja
Então, que seja!

Ser o verso importante que rima com nada
Ser o olho que tudo vê com visão bifocal
Ser a armadilha que caiu na própria emboscada
Ou a meia sem par esquecida no varal?


Ser a desculpa esfarrapada
de uma nota mal cantada

desafinada.

Sim
Eu sou único
Assim como todo mundo.



Um grilo falante de uma cabeça pensante.

10 comentários:

  1. Gente... se eu conseguisse abrir mais minha boca e meus olhos ao ler seu poema, engoliria minhas proprias orelhas e enxergaria pelas minhas costas.

    Jefferson, minha primeira impressao foi de puro extase... fazer um poema rimado,sem parecer rima de brincadeira de criança é simplesmente encantador! Quisera eu ter esse dom. Confesso conseguir escrever melhor poemas sem rimas.

    Quero comentar seu texto como fiz com o do Rafa,mas - tenho que pensar bastante... Faz-se mais dificil fazer isso com verso do que com prosa.

    Simplesmente: adoravel, magnifico!
    Bravo!!

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    1. E que esse próximo comentário me deixe tão extasiado como fiquei lendo este primeiro, Bia.
      Obrigado!

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  2. Perdido...Desorientado...Precisa se encontrar... Perfeito!

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    1. Encontrei minha perfeição no meio dessa perdição.
      Me encontrar: por quê e pra quê?

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  3. Li o poema algumas vezes. Quatro, pra ser mais exato. Quatro coisas me surpreenderam:

    1 - A construção do seu poema é digna de aplausos de pé. Cara, como consegue rimar e ser fiel ao poema com tanta naturalidade?

    2 - Ao mesmo tempo em que me surpreende me orgulha o modo com que você se descobre, se encontra e transmite isso com uma precisão que até quem não te conhece não ousa duvidar. Be yourself, man. Know yourself.

    3 - Criando uma conexão com as afirmações anteriores, tenho que confessar que seu poema foi de grande impacto na minha consciência. Creio que por esse motivo quis ler várias vezes (mesmo tendo a mesma visão sobre o mesmo em todas as vezes que li), pois cada vez que lia eu recebia um golpe na cabeça, uma coronhada. Até por isso demorei comentar, reorganizando a consciência depois das pancadas. Ao ponto que vai se conhecendo e expondo isso nesses belos poemas, acompanho você, pois estamos no mesmo barco. O que refleti é que nem por isso remamos na mesma toada, muito menos na mesma direção, porém em harmonia. Harmonia tal que tende ao equilíbrio, que por sua vez é crucial para que o barco não se desestabilize. Estou entendendo que, mais importante que a direção, é o equilíbrio quem garante que o barco atracará em seu destino, qualquer que seja ele, e que independente disso, nada será em vão. Irônico é perceber, também, que um desequilíbrio foi necessário, e que provavelmente haverá outros. Que venham! O barco vem sendo reforçado por mais de uma década. Sendo assim, muito obrigado por isso. Continue inspirando-nos.

    4 – Há tempos escrevi um texto muito parecido com este, muito mesmo, só que não em forma de poema. Aliás, não tinha forma de nada, talvez por isso eu não tenha publicado em lugar algum ou mostrado a alguém. Até as palavras que você usou em alguns trechos são as mesmas. Enfim, o texto não só é parecido com seu poema esteticamente, mas filosoficamente, ou melhor, sentimentalmente, como preferir. Isso tudo me leva inevitavelmente, talvez de modo inconsciente, pensar numa só palavra. Aproveitando as palavras da Bia, "Simplesmente encantador" o seu duema, digo, seu poema.

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    1. E se esse barco aguentou até hoje, então que continue assim.
      Que continue seguindo o fluxo em harmonia, cada qual com sua maneira de velejar.
      Obrigado pelo comentário Rafael. Quisera eu ser tão coerente em meus comentários à você quanto você é coerente para com os meus.



      Que eu tente então me expressar da minha forma poetizada de ser:

      Da sua aeronave, que eu seja seu co-piloto
      Do seu barco, que eu seja um dos remos
      Da sua vida, que eu seja seu irmão
      Que eu seja seu ponto de equilíbrio
      A mão da sua contra-mão.

      Que eu seja um motivo para existir

      E ao invés de socos, que consigamos nos atingir com os melhores textos que conseguirmos escrever. Rs

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    2. Aí está a prova, obrigado por mais um soco, aliás, dois. Logo hei-de retribuir com um chute, talvez um tiro...

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  4. Primeiro comentário:

    Que paradoxo maravilhoso iniciar seu poema com um "simples assim" e discorrer sobre essa simplicidade em 93 versos cheios de rimas bem construídas, sentimentos claros - e também ocultos - e muito talento. A sua capacidade poética me surpreende a cada segundo, Jéfferson.

    Seu poema pode ser interpretado de tantas formas diferentes... Depende da intensidade e da vontade de cada leitor. Mas saiba que, qualquer que seja esse interpretar, todos levam à sua criatividade fora do comum. Parabéns. Assim, vou deixar a minha interpretação pessoal para mim mesma (poemas me causa um certo medo de expressar minha visão... não sei, acho que é como uma forma de invadir a privacidade do poeta. Estranho, não? "Enfim"...)e vou fazer uma análise mais... contida,rsrsrs.

    Não sou especialista em métrica, nem em formas de rima (abba, aabb, versos brancos e por aí vai), mas na minha ignorância não pude deixar de perceber a presença de todos eles em inúmeras partes - e inúmeras vezes! - de seu poema. A rima fez com que o fluxo de leitura fosse variável, ora rápido, ora mais acelerado. Isso torna o poema mutável e rítmico.

    Os traços de pessoalidade e impessoalidade também muito me impressionaram. Creio ser um poema que qualquer um consegue ler e se identificar. Isso é um traço muito bacana da sua escrita, porque significa que escreve - ainda que inconscientemente - não apenas para si. Ainda que seja a intensão inicial. Depois, suas palavras se tornam públicas, voam com o vento (ou com o avião, para mostrar que estou atualizada nas novidades literárias do blog ^^). Digamos que elas tem vontade própria e se fazem mais do que o que você, a princípio, imagina.

    Outra coisa. Seu poema está cheio de referências literárias, o que demonstra que, quando escrevemos, tornamos aquilo que nos impressiona algo reciclável. Essa reciclagem é o que torna tudo único! Por incrível que pareça. A magnificência ou a degradação se separam por uma linha tênue, daqueles que sabem, e os que não aber valer de sua capacidade imaginativa e interpretativa.

    Não comentarei todos os versos, mas:

    "Eu sou único
    Assim como todo mundo.".

    Que paradoxo, hein? Ser único como todos significa ser igual? Ou não?
    Rs.


    E para terminar, apenas um comentário quanto ao que o Rafa disse:

    A conectividade entre dois irmãos pode ser muito maior do que um mero duema. Essa é a verdade que constato a cada instante de convivência com dois dos mais lindos escritores e meninos que conheço.

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    1. Sempre me sinto lisonjeado ao ler comentários tão bem formulados e escritos de forma tão clara. Muito obrigado por isso, Bia.
      Gostei muito qdo disse que qualquer pessoa se identifica lendo esse poema. Para falar a verdade, eu não reparo (ou talvez não me preocupo) com o que estou sentindo no momento da escrita do poema. E isso me transforma um simples leitor, pois sempre crio novos sentimentos ao ler o que acabei de escrever. Rs Isso é o que me faz sentir parte de um todo: um todo que sente o que lê.

      Quanto às rimas que criei, foi no intuito mais sincero de querer brincar com o poema. Escrever poemas me diverte. Talvez isso o tenha deixado tão bom de ler (pelo menos o Rafael achou tão bom a ponto de ler 4 vezes rsrs). Enfim, gosto de escrever poemas. E com o tempo vou aprimorando-os cada vez mais - digo isso em comparação a todos os poemas que aqui postei. E espero que os poemas, tanto os meus quanto ao de qualquer outra pessoa que crie poemas, voltem a ser valorizados pela sociedade como era antigamente.


      Mas caso não ocorra
      Que em minhas mãos o poema não morra

      O poema sempre estará vivo nas mãos de quem escreve. E mais vivo ainda na mão de quem o lê.

      Obrigado Bia. Seu comentário sempre será de grande valia para mim.

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    2. Que lindeza de comentário! Rs.

      Continue brincando com as palavras, pois isso tem dado muito certo!
      E sim, você vem evoluindo em sua forma de escrita a cada vez que formula um novo texto.

      E, particularmente, adorei o que você disse sobre criar novos sentimentos ao ler seu próprio texto. Acho que a Escrita é bonita por proporcionar coisas assim. Ela nos torna mutáveis, por mais que o texto, aparentemente, permaneça o mesmo.

      E disponha sempre dos comentários! Acho que começamos a travar aqui no blog discussões muito interessantes. Para mim, essas são as que valem verdadeiramente.

      Um beijo!

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