18 de janeiro de 2013

O Estrangeiro Fantasma






        

          Um dia frio. Bem mais frio do que costuma ser. Choveu por todo o decorrer da manhã e só há pouco se estancou o chorar dos deuses. Sim, eles estão decepcionados – inclusive comigo -, assim como eu estou. No muito molhado caminho de volta do trabalho, que já devo ter percorrido centenas de vezes, me deparo com uma paisagem nunca vista ou até mesmo sentida antes. O que me espanta é justamente este fato. Será que ao fazer o caminho de ida eu estou ainda dormindo para nunca ter visto todos aqueles arbustos, aquelas flores, aquela vida que reflete como uma manhã radiante de verão, aquela vida que cheira a liberdade? Será que ao voltar para casa estou sempre demasiado cansado e entediado para não ver aquele longo caminho de inspiração? Estou me tornando mais um parafuso nessa complexa máquina, nesse aglomerado de sujeira encoberta pelos imensos tapetes da ignorância!
         
          Embora minha mente insista sempre em me deixar alerta quanto a isso, embora a chuva de hoje tenha me lavado a alma e os olhos, fazendo-os brilhar novamente, não parece haver caminho seguro a se seguir por aqui, nesse amontoado de caixotes que mais parecem grandes e aconchegantes celas de uma prisão invisível, uma prisão invertida, pois quanto mais se pensa que é livre, mais se está preso. Prisão corporal e da mente, um eterno confinamento de corpos e pensamentos - quando estes existem -, e em ambos o cárcere é produto do medo, em todas as suas impiedosas formas. "Veja o quanto nosso sistema de proteção é eficiente!"; "Olhe só o tamanho dessa muralha!"; "Bom dia, jovem! Temos câmeras, alarmes, cercas, botão do pânico...". Pra qualquer lado que se vá, pra onde quer que você olhe é sempre a mesma coisa, as mesmas peças em corpos diferentes. Os vírus agem assim, vagarosamente, célula por célula multiplicam-se, sem dar sinal que estão por ali. Quando se percebe já é tarde demais. Não é tarde demais! Minha cabeça está marginal a isso tudo, mas meu corpo parece estar cada vez mais dependente em permanecer nessa engrenagem.
         
          Observo minh’alma saindo pelo umbigo – e ela também me observa -, tentando escapar desse corpo quase infectado, mas ambos resistem e esta luta parece não ter fim. Presos um ao outro, vão continuar assim enquanto eu tiver controle sobre meus atos, pois sobre a mente eu já não tenho certeza. Não! Não é isso que eu quero, mas seria permitido ter que me adequar enquanto amadureço - como creio que venho fazendo - não com felicidade, mas mesmo assim muito bem? - pergunto-me. Marginal a isso tudo, um estrangeiro. Aonde procurar pelo antídoto? Existe antídoto? Concluo que eu sou o antídoto, eu sou a minha própria cura, só eu posso ser, porém ao mesmo tempo sou a perdição! Sou? Nem eu me conheço. Olho ao meu redor agora e tenho convicção de que estou mesmo perdido nesta selva, e que os prazeres de sua complexidade não me pertencem. Até quando aguentar? Por que não surtar de uma vez, se é por essa liberdade que minha mente se rebela? Mais uma vez me perco em perguntas. Seria isso uma evolução?


5 comentários:

  1. Rafael... seus textos estao cada vez mais profundos e reais. Meus parabens. Lerei seu texto novamente,em busca de novas sensacoes.

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  2. Muito obrigado, Bia! Se ler meus textos demais vai começara ver o mundo com os meus olhos, a minha realidade. Não sei até que ponto isso é bom, mas não quer dizer que seja ruim também, rs.

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  3. Gosto bastaaaaante das suas opiniões, Rafa. Sem contar que a gente já possui - sei lá muito como - uma certa transmissão de pensamentos, então tudo fica mais fácil,rsrs.

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  4. Tenho a sensação que sei como isso ocorre. Temos um catalisador em comum, rsrs.

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  5. Noooossa! Temos "O" catalisador, nao eh mesmo??? Verdade. Pura verdade.

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