14 de dezembro de 2012

Setenta E Poucos E Vinte E Sete



Capítulo I – Setenta E Poucos


Parte I - Nascimento

Meu nome é Alberto García, mas me tratam como Senhor García. Senhor. Esse deve ter se tornado o meu nome. Vamos começar de onde parei, ou melhor, do princípio da minha existência. Nunca fiz muito sentido e a indecisão corre em minhas veias desde a primavera em que fui concebido. Uma herança um tanto quanto indesejada, mas válida. Sempre fui muito extremo, como dizem tudo ou nada, mas sempre buscando meios de alcançar um equilíbrio. Organizado e desleixado, tímido e cara de pau, triste e eufórico, frio e sentimental, engraçado e insuportável, o introvertido palhaço, costumava ser muito subjetivo, mas sem perder o foco. Um péssimo otimista. Esse fui eu até a juventude - 17 - e tudo se resume nisso, até que os extremos passaram por conflitos entre si que nem gosto de relembrar. Minha mente virou uma arena onde lutavam os mais temidos e controversos pensamentos em busca de um espaço maior, num processo quase natural. Passei algum tempo me descobrindo e analisando o que estava ao meu redor. Tristes tempos bons: o que era duplo passou a se tornar um só e a balança não mais existia, mas ainda reinavam as suposições. Creio que estou me tornando hoje o que fui décadas atrás, porém estou um tanto quanto atrasado - e arrependido - já que viver não é mais uma certeza e, por ironia, também não era naquela época.
            
             Parte II – Aquelas Velhas Decisões

Naquela época tomei as decisões mais difíceis da minha vida e talvez as mais importantes, que se refletiram durante toda a minha existência e que ainda possuem força para me motivar a escrever isso. No trabalho, milhares de dólares, euros, libras, reais, pesos, papéis... Tudo isso multiplicado cuidadosamente sob meus olhares atentos e meu ágil aparelho cinzento que nunca me deixou errar e que me tornaram essa máquina infalível de transformar água em vinho, e milhares de decisões que tomei para construir todo esse patrimônio são apenas uma gota d'água no mar da importância das decisões que tive que tomar na adolescência. A intensidade da infância teve que voltar à tona, pois não existia meio termo, não mais, e a situação estava insustentável, beirando ao colapso do meu sistema. Pois bem, pode imaginar agora qual o caminho escolhi e quais os extremos prevaleceram. Costumava ser um homem de negócios, competente, fiel a tudo e a todos. Resolvi me entregar aos encantos do meu meio depois de desistir de ser dono de mim mesmo. Durante a maior parte do tempo fiz tudo conforme me mandaram, conforme me ensinaram e conforme o esperado, mesmo que isso nos primeiros anos me causasse um grande desconforto, mas as coisas são assim e você acaba se adaptando.

Parte III – Linha De Isolamento
           
           Perdi alguns amigos e a confiança de outros, mas também fiz uns novos, e isso tem que valer de algo, afinal tudo era reciclável naqueles tempos. Trabalhei, estudei, trabalhei, forcei uns sorrisos, menti aos montes, fiz alguns inimigos e briguei pelas ideias de quem pagava por minhas viagens trimestrais para o exterior, de quem pagava pelo meu Audi, por essa mansão na qual estou eu na varanda, olhando para o nada com o mar dando o contraste ao fundo e a linha que corta o azul infinito me mostrando que é tarde demais para mudar de opinião, na qual eu escrevo agora na esperança de que não seja tão tarde a ponto de deixar que outros saibam como é ser um fracassado de sucesso, para que saibam fazer suas escolhas, lutar por suas próprias ideias ou então apenas deixar o que quer que seja determinar ou não sua existência insignificante, assim como a minha.
         Nunca tive mulher ou filhos, pois sempre afastei as pessoas que tentavam se aproximar, e não farei testamento. O que parece meu na verdade não é, eu só fiz parecer que sim. Será que tenho mais um dia ou dois para viver? Não sei e, sinceramente, não quero saber! Eu tive medo, prolonguei o meu sofrimento mais do que o necessário nesse plano e gosto de pensar que esse é o único que me restou, se é que me resta alguma coisa palpável além desses longos cabelos brancos que insistem em me lembrar de que não fui melhor do que aquela simples criança indecisa. Se o amanhã não vier, agradeço desde já ao tempo por me fazer esse favor.

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            Capitulo II – Vinte E Sete

            Parte IV – Universo Paralelo
           
           Sabe-se muito sobre mim então dispenso cerimônias. Sabe-se quem eu sou. Sete minutos. Sou o senhor da minha existência, meu próprio criador, minha própria criatura, selvagem, intuitiva, intensa, obscura, instintiva e livre de qualquer amarra - pelo menos eu era até o momento presente.
           
          Observando minhas escolhas que me trouxeram até aqui, ao fundo do poço outra vez, aprendi que há apenas duas maneiras de um homem seguir em frente sem foder consigo mesmo, sem fritar o seu cérebro todos os dias quando bota a cabeça no travesseiro ou quando se está prestes a tirá-la dele. Nunca fui de resumir tanto assim as coisas, você sabe, mas essa é uma ocasião de extremos e considerando que um homem saiba de tudo o que eu sabia há uma década, interprete e obrigatoriamente terá que escolher um dos dois modos de sair dessa encruzilhada: ou ele se veste de criança e se esconde dos seus sonhos, seus desejos, e principalmente dos seus medos, perde o brilho nos olhos e nunca mais tira essa máscara e essa fantasia perfeita, ou ele encara tudo isso, deixa de apenas viver, passando a existir. Não há meios termos. Cinco minutos. Quase sempre me dou bem quando estou sobre pressão, mas não creio que seja esse o caso. Infelizmente, ou felizmente, depende do ponto de vista, a maioria dos homens da minha época e do passado escolheram a primeira saída. Até entendo-os, muitos tinham família e prezavam por elas, mas eu não podia dizer o mesmo, muito menos meus companheiros, sem contar que, para muitos, é muito fácil viver com uma máscara permanente. Não, eu não caminhei sozinho até aqui e pra ser sincero eu não chegaria tão longe não fossem meus fiéis camaradas, cada Sancho, cada Camilo, cada fiel escudeiro – cada ator principal - a quem considero irmão de batalha, aqueles que derramaram sangue comigo e por nós, aliás, mais do que por nós, mas pelo resto do mundo.

            Parte V – Ouro Vermelho    
      
          Mal sabem os tiranos que o que escorre depois do estalo seco da bala vale mais do que qualquer coisa nesse mundo. Três minutos. Escorre ali nada mais que um ideal, uma causa, um delírio compartilhado, um sonho, e isso hoje em dia é tão escasso quanto olhos de verdade uma década atrás, olhos próprios. Foram esses olhos que viemos trazer, espalhar essa epidemia para que se tornasse incontrolável tal como está a acontecer nesse exato momento mundo afora. Minha intenção aqui não é fazer uma retrospectiva, mas apenas refletir e relembrar com orgulho das decisões que me fizeram estar aqui nesse momento, nessa sala escura, trancafiado há dias e, por ironia, observando o pavio do meu destino diminuindo na velocidade do som enquanto o som do meu povo lá fora, comemorando a liberdade e a vitória sobre os opressores, ecoa como música aos meus ouvidos, num silenciar suave que me serve de fundo perfeito para esta reflexão. Dois minutos. Cá estou agora, numa espécie de calabouço, amarrado a um poste e tudo o que vejo é o vazio. Foi tudo o que restou aos antigos donos do poder depois de sentirem na pele que quando se comprime demais uma mola ela tende a se expandir mais do que o normal quando se solta, atingindo várias vezes extremos para que enfim repouse no seu equilíbrio. Foi assim com minha sociedade - nossa sociedade - e tudo o que fiz nessa curta vida, junto aos meus companheiros, foi fazer com que a mola se desprendesse do seu estado comprimido.
         
            Parte VI - Renascimento

Sendo assim me despeço silenciosamente com a sensação de dever cumprido. Um minuto. Tudo o que eles querem de mim é que eu implore por piedade, que eu admita que eles estejam certos e que a vitória não foi justa, o que justifica todo esse cenário lento e reflexivo. Entendo-os, pois o que mais poderiam querer nesse momento de fracasso total? Eu sou o orgulho. Estão acuados, perdidos e seu fim será o mesmo que o meu. Eu sou a vitória. A vida é insignificante e escorre entre meus cabelos compridos, então porque me preocupar com a perda dela se esse é o ciclo natural e não vai abalar – não de forma negativa – tudo o que já foi conquistado? 30 segundos. Estou indo, mas vou ficar sem pedir permissão na memória de quem ouvir falar ou ler num livro de história sobre um evento qualquer em 2022. Eu sou o movimento. Sempre gostei do clássico, do antigo, do velho mundo, mas sem fugir da realidade, e não seria diferente com relógios: os digitais me irritam. É o que tenho agora. 15 segundos. Não no meu pulso, mas pulsando em reflexos nos meus olhos os últimos segundos, que mais parecem anos. Talvez ele queira tardar seu suicídio. Entendo-o também e já estou com saudades, pois provavelmente não nos veremos no inferno. Está conversando comigo:
 “Vejo-te lá em:” 5.
Ou não.  4.
Por que demora tanto?  3.
 “Feche seus olhos.” 2.
 “Acorde! Está apenas ressurgindo!” - grita minha mente.
       

Por Rafael Mota

6 comentários:

  1. Tem certeza que você não está psicografando esses textos para algum autor renomado? rs.
    Excelente texto, e de uma verossimilhança impressionante.

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    1. Não tenho certeza de nada. Rs. Obrigado cara, a intenção é de que a ficção possa ser interpretada dde acordo com a mais pura realidade. =)

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  2. Concordo com o Álisson, acho que tem um capeta querendo contar sua jornada através de você... Brincadeira rsrs, muito realista,do ponto de vista psicológico deu a impressão de realmente estar na mente do personagem, e estar sentindo o mesmo que ele sente. :)

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    1. Nada garante q não seja mesmo isso o que aconteça! hehe
      Obrigado! ^^

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  3. A pura realidade transposta em um texto, na qual o autor realmente enxerga a verdadeira realidade. Ou seria o contrario?
    Pode ser que sim. Mas o não está a solta.
    Devo estar enlouquecendo. Café demais dá isso.

    Muito bom seu texto!

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  4. Café é o seu vício desde sempre. O exagero faz mal, cara. Mas exagere, não ´q por que faz mal qe não seja bom, rsrs. O autor não enxerga a realidade, mas a personagem a eira da morte sim. Pense nisso! Obrigado! ^^

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