25 de agosto de 2014

Vícios e Venenos



Você é daquelas belas flores
De raro aroma e beleza
Mas que só podemos admirar
Pois não é flor que se cheire

Você é pó de rara pureza
Daqueles que deixam maluco
Mas que só podemos vender
Pois seu perfume é uma armadilha

Pensei que fosse um diamante
Ao observar-te através da lupa
Mas a distância exerceu pressão
E não manteve a temperatura
E pros meus olhos de falcão
És carvão com enormes fissuras

Você seria a bola do jogo
Se não brincasse de jogar
Seria a bola da vez
Se não jogasse pra machucar

Caímos na sua teia
Como quem se vicia sem perceber
Escapei sem querer escapar
Culpei quem não deveria
Mas cobras muito venenosas
Também mordem o próprio rabo

O pior escravo é o que não sabe
E você, viúva negra
É mestre em escravizar
Se a vida é um jogo
Mova apenas a sua peça
E desprenda as marionetes

O que te mostra o espelho?
Imagino um rosto bonito
Talvez um rosto bonito só
E só
"Um ser maravilhoso
Entre a serpente e a estrela"

Diafragma



Só quero um registro.
Da vida, vista pela janela do quarto,
Da porta da casa
De dentro de mim.

Guardar num compartimento nada secreto
Tudo o que minha secreta memória não armazenará
Para sempre.

Amor, frio, inquietações e vontades
Toques e destoques
Ira e psicodelia.
Eu.
O mundo...

Gozar das tristezas e chorar com as alegrias
Flores da praça
Céu sem estrelas.

Registrar-me pelas íris de um objeto qualquer
Que me substitui.

E assim me eterniza.



























Por Bia de SouZa

20 de agosto de 2014

A nona sinfonia de Beethoven



Uma madrugada gelada
Como os clichês de todas as segundas
As cobertas não são suficientes
Pra aquecer
Meu café queimado e amargo demais
Para beber
Meu sexo com pudores demais
Para gozar
Meus livros ruins
Que ganhei de presente
De uma tia que não sabe nada sobre mim
A tempestade lá fora
E aqui dentro
Uma mente pura
Puta
E lúcida
Pronta pra fugir
De todos os clichês
De uma madrugada gelada
Como são todas as segundas
Lá fora
E aqui dentro
De mim

Júlia Angardi

19 de agosto de 2014

Redenção



Ela acordou sobressaltada. Sentia os pingos de suor em sua testa, pescoço e colo. Estava ensopada, e a respiração falhava. Sentou-se na beirada da cama e passou as mãos pela pele molhada. Suas mãos tremiam.

Não havia sido um pesadelo. Mas um sonho erótico.

Tantas mãos, masculinas, apalpando-a por toda a superfície de seu corpo. Às vezes, faziam-na gritar de dor. Outras, de um certo prazer mórbido, estranho. Enervante. Era tudo escuro, preto e branco, como num filme noir de categoria B.

E ela detestava filmes noir.

Deitou-se novamente, sentindo-se grudenta e fedida. Não se permitia prazeres tamanhos enquanto acordada, quem diria dormindo! Tantas mãos...

Ela esfregou seu rosto, depois o pescoço com vivacidade, e depois o colo, o peito, a barriga e a virilha. Não queria vestígios daquelas mãos sem dono, pegando-a não se sabe onde, nem mesmo quando ou porquê. Esfregava-se como quem tira mancha de uma roupa imunda, até esgarçá-la nas bordas.

Esfregou-se, esfregou-se, esfregou-se...

E sentiu a perda do rumo, do prumo e do pudor. Do suor, chegou ao líquido sagrado, alvo e sacro, mais pura prova de amor próprio. Tremeu as entranhas frente à libertação do mal. Havia pecado.

Mas se redimiu.

Imagem de Craig Tracy


Por Bia de SouZa

18 de agosto de 2014

A cada haver



Há cada forma de poetizar o mundo...
Entre laços coloridos, bolas de algodão
Nuvens disformes num céu azul turquesa.

Uma palavra doce, um beijo cheio de terceiras intenções
Um passeio a céu aberto
Noite de luar azul.

Passos entre amigos
Professores
Vizinhos
Chuva gotejante e um arrepio frio ao sol nascente.

A cada piscar, virar, falar, correr e ficar.
Xingamentos leves de nervos luxuriantes.
Descontrolar-se num equilíbrio só.
A cada um.
Nós.

Passagem de tempo.
A cada forma disforme.
Há cada uma delas.









A cada haver
Há cadáver de pó!
De tristeza e melancolia
Deixando, sós,
Sóis fulgurantes!
Purpurinantemente 
Amor
Papel
E Poesia.




Por Bia de SouZa
Imagem:

Quero uma mulher pra chamar de minha

Quero uma mulher
Pra chamar 
De minha
Minha menina
Minha amiga
Minhas noites
Meus porres
E talvez até
De minha vida
Para praticar comigo
Um pouco do seu sadismo
Sem deixar de lado
Cada romantismo meu
Coberto de lamúrias
Quero uma mulher
Que mostre a benção
De gozar
Que seja meus vícios
Meu pó
Meu cigarro
E meu leite
Uma mulher dessas
Que só encontro na minha mente
Meio esquizofrênica
E cheia de pecados
Quero uma mulher
Inexistente

Júlia Angardi

16 de agosto de 2014

Homem De Lata



A dúvida que a fé desperta
O ódio alimentado pelo medo
O frio de uma porta aberta
A tendência suicida de um segredo

A falta de ar nas alturas
A artificialidade do sabor
O leão que não tem bravura
Nada disso se compara ao amor

Que é a metamorfose dos sentimentos
Desejo por obsessão
Abraço carinhoso por sufocamento
Num 'para sempre' de traição

Se a vida é incerta em sua beleza
Poucos a compreenderão
Mas num poço lacrimal flutua uma certeza:
O amor não tem coração